As transformações estruturais do Jornalismo são fenômenos que desafiam as análises e, embora estejam em curso, exigem respostas imediatas para os problemas e as lacunas gerados. É certo que os apocalípticos, com suas previsões apressadas do fim do Jornalismo, estavam errados. Mas também é certo que as mudanças decorrentes das inovações tecnológicas afetaram a produção jornalística e seu modelo de negócios predominante.
No Brasil e na maioria dos países do Ocidente, o modelo de negócios da produção e comercialização de notícias assentado na publicidade entrou em crise com a pulverização das plataformas, ocorrida depois do advento da internet. A rede mundial de computadores, além de possibilitar o surgimento de novos atores no mercado da comunicação – de gigantes como o Google e Facebook a um incontável número de sites – disseminou a cultura do acesso gratuito aos conteúdos circulantes.
O que parecia ser, enfim, o reino da liberdade, da diversidade e a gratuidade, muito rapidamente também foi instrumentalizado pelo capital. E a produção jornalística, em vez de ganhar força, foi perdendo investimentos publicitários para os difusores de conteúdo, entre eles as chamadas redes sociais. Como regra do capitalismo, também na internet houve concentração de capital com a consequente eliminação de pequenos atores.
Na produção jornalística, centenas de publicações impressas – que durante décadas se sustentaram principalmente na publicidade e, secundariamente, na venda do produto ao público – sucumbiram, mesmo fazendo a transição da existência física para a virtual. Deixaram de existir principalmente as publicações das pequenas e médias cidades, que cumpriam o importante papel de fazer Jornalismo local. No Brasil, publicações tradicionais, de grandes cidades, também foram afetadas e algumas deixaram de existir até mesmo na versão on line.
Já os veículos de mídia eletrônica (TVs e rádio), que por força de lei precisam de produzir e veicular conteúdo jornalístico, com a pulverização da publicidade, passaram a investir menos na produção jornalística. Rádios de pequenas, médias e até de grandes cidades burlam a exigência legal reproduzindo notícias de outros veículos, ignorando o direito moral dos autores.
Além da crise do modelo de negócios do Jornalismo – para a qual não há uma única saída, mas caminhos diversos, incluindo o financiamento público – é inegável que existe também uma crise de credibilidade. Grade parte do público consumidor de informações, deixou de ter os veículos de comunicação que produzem Jornalismo como referência. A maior parte do público jovem informa-se por meio das redes sociais, onde a informação jornalística é somente uma pequena parte do conteúdo veiculado.
Essa crise de credibilidade foi gerada pela nova cultura da informação via internet, mas também pela falta de qualidade do Jornalismo ofertado por muitas empresas de mídia. No Brasil, houve verdadeiro abandono do Jornalismo por parte das empresas hegemônicas, que passaram a instrumentalizar o Jornalismo para fazer oposição aos governos dos ex-presidentes Lula e Dilma.
A desinformação e suas consequências para as sociedades democráticas, entretanto, reforçam a importância do Jornalismo. No Brasil e em países como os Estados Unidos, Hungria e Itália, a desinformação levou ao poder governos de ultradireita, que inclusive são assumidamente contra direitos humanos consagrados internacionalmente na Declaração Universal.
E desinformação se combate com informação. Se as mudanças tecnológicas apresentaram desafios significativos para a produção do Jornalismo, elas também apresentaram novas oportunidades para fortalecê-lo: o barateamento dos custos de produção (principalmente da veiculação) e o surgimento de novos formatos (portais, sites, blogs, canais de vídeo) para maior oferta de notícias/reportagens e a criação de experiências narrativas mais envolventes.
As novas tecnologias também favorecem ao atendimento de outra demanda: o desenvolvimento de coberturas hiperlocais, que produzam engajamento nas comunidades. Necessidade esta reforçada por um dado constrangedor: 70 milhões de brasileiros vivem no que foi classificado como “desertos de notícias”. A informação consta do estudo “Atlas da Notícia”, levantamento inédito, com base em jornalismo de dados.
O levantamento do “Atlas da Notícia” reforça a necessidade de desenvolvimento do mercado da comunicação, com mais investimentos em veículos impressos, de radiodifusão e on line fora dos grandes centros urbanos. Esse mercado é um dos que potencialmente podem ser financiados diretamente pelas comunidades, pela publicidade e pelo poder público local.
As novas tecnologias e o barateamento da produção jornalística reacendem também o debate sobre novos arranjos produtivos. Os profissionais, sobretudo os mais jovens, se sentem seduzidos pelas novas tecnologias comunicacionais. Essa sedução os faz ficar conectados ao trabalho quase que 24 horas por dia, aceitando com certa naturalização a superexploração, por meio da multifunção e o descumprindo da carga horária legal de trabalho.
É preciso, além do trabalho de defesa dos direitos dos jornalistas à carga horária diferenciada, a salários e condições de trabalho dignos, apontar outras possibilidades, como a criação de cooperativas de trabalho, ou organizações sem fins lucrativos, nas quais não se objetiva o lucro, mas a sustentação da produção e dos trabalhadores.
Segurança
Uma das características do totalitarismo fascista e sua expressão como fenômeno mais comum é a radicalização de ações de violência, inclusive pelo uso de grupos paraestatais para ações de intimidação e repressão a profissionais de comunicação e à própria liberdade de expressão.
Os casos de agressões a jornalistas cresceram 36,36%, em 2018, em relação ao ano de 2017. Foram 135 ocorrências de violência – entre elas, um assassinato -, que vitimaram 227 profissionais. Os números do Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil – 2018 mostraram que esse incremento esteve diretamente relacionado à eleição presidencial e episódios associados a ela, como a condenação e prisão do ex-presidente Lula.
O crescimento da violência contra jornalistas é uma demonstração inequívoca de que grupos e segmentos da sociedade brasileira não toleram a divergência e a crítica e não têm apreço pela democracia. É preciso medidas urgentes por parte do poder público e das empresas de comunicação para garantir a integridade dos profissionais.
Entre as medidas defendidas pela FENAJ, estão a criação de um protocolo de atuação das polícias em manifestações públicas e a garantia, por parte das empresas de comunicação, de adoção de medidas mitigatórias dos riscos para cada situação específica.
O governo antipovo que ocupa o Palácio do Planalto é também o (des)governo que prega o ódio a jornalistas e conclama publicamente seus asseclas a ataques à categoria nas redes sociais e na internet em geral. O desrespeito à imprensa e à liberdade de expressão que já era visível durante a campanha eleitoral se cristalizou desde a posse presidencial até os discursos públicos e manifestações via Twitter – a rede de comunicação “oficial” de Bolsonaro e bolsonaristas de plantão.
Se foram as mentiras travestidas de notícias que nos trouxeram até aqui, só o Jornalismo pode apontar os caminhos para a retomada da democracia no Brasil. E Jornalismo só se faz com jornalistas, com profissionais que saibam a técnica e, acima de tudo, respeitem e pratiquem a ética da profissão.
Propostas de ações para a FENAJ e Sindicatos de Jornalistas
1 – Defender a criação de leis que democratizem o acesso a verbas estatais de publicidade e de comunicação para a promoção de meios de comunicação alternativos, além de leis
que proíbam aceso, parcerias ou captação de recursos por empresas de comunicação que descumpram acordos ou convenções coletivas de trabalho da categoria.
2 – Defender a regulamentação de um sistema de comunicação tripartite (público estatal e privado) nos âmbitos federal, estadual e municipal.
3 – Defender a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), especialmente resistindo à extinção da TV Brasil.
4 – Estabelecer parcerias com os movimentos sociais para realização de oficinas, cursos e palestras sobre mídias sociais como ferramenta de mobilização; assessoria de imprensa de grupos e movimentos; jornalismo sindical, entre outros temas.
5 – Incentivar que os Sindicatos criem nas suas sedes um espaço para exercício do Jornalismo, seja por meio de local compartilhado, acesso à internet e da biblioteca.
6 – Fomentar a criação de cooperativas de jornalistas e fomentar novos modelos de negócios no Jornalismo, assim como apresentar possibilidades de financiadores e investidores, com destaque para o desenvolvimento de startups e apoio à imprensa alternativa.
7 – Acompanhar e divulgar estudos e dados sobre o futuro do jornalismo e o impacto nas relações de trabalho.
8 – Fomentar a capacitação da categoria para a produção de jornalismo online, de dados e investigativo, como forma de suprir a demanda social por produção de conteúdo regional qualificado.
9 – Promover debates, cursos, seminários, encontros e congressos sobre produção jornalística local e regional, com eventos acessíveis aos profissionais que atuam nas cidades do Interior.
10 – Construir uma rede de comunicação de âmbito nacional, pública e que dê voz a quem não tem voz pela mídia oligopólica, a partir da iniciativa de entidades sindicais, especialmente as que representam os jornalistas e demais profissionais de comunicação.