A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) promoveu na tarde de terça-feira, 6 de outubro, o lançamento de um manifesto pela taxação das grandes plataformas digitais para a criação de um fundo público de fomento ao jornalismo profissional. A atividade, transmitida ao vivo em ambiente virtual com a participação de representantes de federações internacionais e de sindicatos regionais, foi realizada para apresentar a proposta para a categoria dos jornalistas e para a sociedade.
Conforme relatou a presidenta da FENAJ, Maria José Braga, em seu manifesto a Federação apresenta a proposta base de taxação das plataformas digitais, por meio da criação de uma CIDE, para que os recursos desse tributo sejam destinados a um fundo público de fomento ao trabalho jornalístico. Para isso, a entidade também defende a utilização dos recursos a partir de critérios como respeito ao trabalhador, conformidade com a legislação brasileira e também com as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A intenção é que o fundo contemple empresas públicas, privadas, organizações e coletivos que garantam o emprego dos profissionais jornalistas.
O fundo, para a presidenta da FENAJ, tem o papel de promover a democratização do jornalismo no Brasil, para que seja retomado o exercício da profissão com pluralidade e diversidade. “A FENAJ está absolutamente aberta. Nós iremos consultar a sociedade brasileira”, afirmou Maria José Braga. “Entendemos que é possível e que a gestão pública pode garantir a aplicação dos recursos da maneira proposta”.
A presidenta da FENAJ também situou que o debate sobre a taxação das grandes plataformas digitais está ocorrendo no Brasil e no mundo porque essas empresas dominam o fluxo da informação num contexto em que as empresas tradicionais de jornalismo perdem a publicidade como fonte principal de recursos. “Lucram bilhões e praticamente não pagam impostos onde atuam”, definiu. Para Braga, as plataformas digitais têm “ação predatória” em relação aos veículos de imprensa como jornais, rádios, TVs e sites de notícias.
“É preciso que retomemos o papel mediador do jornalismo nessa nova esfera pública”, defendeu Maria José Braga.
Nesse contexto, a FENAJ chama as diversas organizações coletivas da sociedade a defender, apoiar e fomentar a iniciativa, que foi pensada para a realidade brasileira, a partir de proposta da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), que conta com seus sindicatos filiados em mais de 130 países para a implantação da Plataforma Mundial pelo Jornalismo de Qualidade.
Viabilidade da proposta
O tributarista Dão Real, 1º vice-presidente do Instituto Justiça Tributária, lembrou que a criação de fundos de fomento para determinados setores não é novidade e que a FENAJ propõe uma alternativa que contempla dois interesses diversos da sociedade: a cobrança de imposto para as plataformas e a necessidade de fomento do jornalismo profissional. Ele explicou que a CIDE é uma intervenção do Estado em determinados setores econômicos e que é cabível nessa situação pois a atuação das plataformas interfere diretamente na capacidade de um grupo profissional de exercer o que se propõe.
Para Real, a CIDE é ideal porque não provém de emenda constitucional e por possibilitar tributar o faturamento dessas grandes empresas. Um dos profissionais que atuou junto à FENAJ na elaboração da proposta de taxação das plataformas, ele também explicou que o fundo de fomento ao jornalismo profissional não precisa ficar restrito a essa receita e que pode ter outras fontes de financiamento.
Plataforma FIJ
Para apresentar a proposta para o Brasil, a FENAJ convidou o presidente da FIJ, o marroquino Younes Mjahed, e a presidenta da FEPALC, organização latino-americana de periodistas, a peruana Zuliana Lainez, destacando a unidade internacional dessa mobilização.
Zuliana explicou que o debate sobre a taxação das plataformas é uma das propostas mais audaciosas da FIJ nas últimas décadas e ocorre no contexto de pandemia, situação sem precedentes em que dois terços da humanidade está confinada, mas que os jornalistas não são parte do diagnóstico da situação dos trabalhadores. Disse que a pandemia potencializou uma situação que já era de precarização dos jornalistas autônomos e independentes, sobre a necessidade de um programa social para a categoria e que as grandes plataformas não podem mais continuar atuando sem pagar impostos nos países onde operam. Ela comparou o lucro dessas empresas com o PIB de grandes países, como Alemanha e França.
A dirigente também alertou que em muitos países, situação do Brasil, a crise não é só econômica, sanitária e social, pois é também política e, nesse cenário, o jornalismo profissional e de qualidade é alternativa à desinformação, com garantias para o jornalismo local e regionalizado.
“Em todos os países do mundo, a coincidência é o jornalismo ser considerado serviço essencial. Não queremos que nos denominem essenciais, mas que nos tratem como essencial, com democratização do financiamento, democratização da comunicação, da pluralidade”, disse Zuliana.
Ela alertou que o poder das plataformas de mídia é maior que o econômico, pois manejam também a censura, o direito de autoria, derrubam perfis nas redes sociais de acordo com políticas próprias de privacidade, além de serem concentrada em poucas mãos.
Nesse sentido, o presidente da FIJ, Younes, Mjahed, destacou a importância da organização coletiva pela implantação da taxação das plataformas e da criação do fundo de fomento ao jornalismo profissional a partir do diálogo com outras organizações da sociedade civil, para além de entidades sindicais, incluindo o debate com a sociedade, governos, corporações e partidos políticos. “Os governos precisam de estratégias para defender o jornalismo de qualidade”, afirmou.
Younes falou sobre essa luta mundial ser importante para enfrentar os desafios maiores que estamos vivendo e ainda preparar para o futuro, na busca de apoios.
Construção regionalizada
O lançamento do manifesto em defesa do jornalismo profissional pela criação de um fundo de fomento a partir da taxação das grandes plataformas digitais foi encerrado com a participação de representações de Sindicatos de Jornalistas das cinco regiões do país, que destacam a importância da iniciativa e a disposição em encampar a construção do diálogo com a sociedade.
Steffanie Schmidt, do Sindicato do Amazonas, lembrou que a região Norte possui grandes áreas com “deserto de notícias”, em que não existe jornalismo local, sendo que mais de 37 milhões de pessoas do país não têm acesso a informações jornalísticas produzidas nos territórios onde vivem. A jornalista também lembrou da diversidade cultural e dos diversos contextos na região e que é preciso fomentar e pautar esses debates, com o jornalismo sendo a ferramenta.
Rafael Mesquita, do Sindicato do Ceará, lembrou que o deserto de notícias cresce também na região Nordeste, especialmente com a perda de espaço de veículos pequenos e, nesse cenário, é preciso observar a que tipo de jornalismo vai servir o fundo de fomento. Ele defende que seja acessível a quem não tem acesso a recursos publicitários e de governo. O dirigente também lembrou que levantamento da FENAJ mostrou que mais de 4 mil jornalistas no país foram afetados durante a pandemia por redução salarial e suspensão de contrato a partir de medidas do governo federal que foram impostas pelas empresas de jornalismo a seus trabalhadores. Rafael também alertou que as plataformas de mídia devem ser responsabilizadas pelo processo de dominação da vida pública das pessoas.
Eber Benjamin, do Sindicato de Mato Grosso do Sul, defendeu que a taxação das plataformas é tão importante quanto as pautas da taxação das grandes fortunas e dos bancos. Representante da região Centro-Oeste, ele lembrou da necessidade de recursos para a produção jornalística no contexto das queimadas do Pantanal e da importância do fomento público considerando a realidade do país com o desmonte da comunicação pública ilustrada pelo esvaziamento da EBC.
Paulo Zocchi, presidente do Sindicato de São Paulo e vice-presidente da FENAJ, alertou que, no país, existe a particularidade de essas plataformas serem grandes empresas norte-americanas que entram sem barreiras para atuar e que não são consideradas empresas de comunicação. Zocchi explicou que o fundo que se propõe é tripartite e a FENAJ apresenta critérios para a distribuição desses recursos, que o momento é de debater com jornalistas, com entidades do jornalismo e com a sociedade.
A jornalista Katia Marko, do Sindicato do Rio Grande do Sul, encerrou as intervenções dos convidados saudando a FENAJ por fazer história com o manifesto e a apresentação da proposta. Recordou a atuação de vanguarda da Federação na defesa da democratização da comunicação no país, à frente dessa luta e atuando na criação do FNDC. Disse que o debate de taxar as plataformas se apresenta com a força que ele merece e os sindicatos estarão atuando nas regiões do país para promover o diálogo com a categoria dos jornalistas e com a sociedade.