O texto “Ameaças reiteradas”, do DC de sábado, 19 de dezembro de 2009, fala por si só e ninguém precisa traduzi-lo quanto ao que pensam e como agem as empresas e os grupos econômicos que dominam a comunicação no Brasil: o mercado tem razão!
Ao se retirar da Conferência, a RBS e outros poucos grupos (o leitor já percebeu que eles nunca dizem quais são as empresas, e tratam de dar ênfase às entidades, para parecer algo que envolve muitos?) legitimaram as decisões. Talvez os oligopólios existentes no Brasil tenham pensado em fazer como sempre fizeram: torcer o beiço se calar quando são contra, e endeusar quando querem proteger ou recebem afagos.
Pois é, Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, que disse que é do jornalista o poder de conceder, ou não, diversidade ou amplo espaço para o contraditório, e o direito de resposta. Basta ver o exemplo da Confecom. Alguns oligopólios, e não os jornalistas, decidiram não falar. Isto, em outros tempos, poderia ser denominado censura a um tema sensível e importante para a sociedade. Ou será que porque os oligopólios não falaram sobre a Confecom a Conferência não teve importância para o Brasil?
No “Ameaças reiteradas”, a RBS expõe algumas preocupações, que podem remeter ao título do texto. Fico em três, para demonstrar a dificuldade que o discurso tem em defender a realidade.
A primeira é de que propostas de Conferência põem em risco a manutenção do ambiente de pluralidade e independência dos meios de comunicação. O Brasil não tem dois punhados de jornais e revistas de circulação nacional e todas se restringem a um tipo de pensamento (que é o mesmo do “Ameaças reiteradas”). Fica a pergunta: isso é pluralidade, ou ditadura dos oligopólios e do capital?
Sobre o segundo elemento da frase, a independência dos meios, não é difícil saber que espécie de independência escolhe ter uma empresa que se guia primeiro pelo mercado em detrimento da de informação da população. Não é preciso relembrar fatos como Diretas Já e os escândalos envolvendo determinadas figuras públicas para detectar que a imparcialidade depende dos compromissos de ambos os lados. Em síntese, sai mais fácil a manchete que criminaliza movimentos sociais, que não são investidores nas empresas dos meios de comunicação.
Talvez seja isso que o texto da página de editoriais do DC aponte em seguida que propostas da Conferência tenham como alvo “agir sobre condições empresariais que garantem a autonomia das empresas de comunicação”. Nada mais justo, por exemplo, que recursos públicos sejam extremamente controlados pela população, e impedidos de serem aplicados em empresas que sonegam informação e mascaram a realidade, ou que enganam a população e os governos quanto à circulação e qualidade da informação.
Por outro lado, se o texto ataca deliberações da Conferência Nacional de Comunicação, porque não questiona o motivo pelo qual a Constituição Federal só permite a cassação de uma concessão de rádio ou TV mediante sentença judicial. Quer dizer, enquanto quer tratar a comunicação como o objeto de mercado, as empresas garantiram na Constituição de 1988 privilégios que nenhum segmento empresarial tem.
O texto da RBS cita ainda que é preocupação a “ingerência no conteúdo”. Não é fato novo, em sala de aula ou em qualquer debate da sociedade, que há uma enorme distância entre a realidade de todos os grupos sociais e o que os veículos publicam. Milhares de pessoas não lêem jornal simplesmente porque não se identificam no relato feito. É proposital permitir apenas determinados assuntos e temas, voltados para algumas categorias ou segmentos sociais. Afinal de contas, por que debater pelos meios de comunicação a reforma agrária? Ou uma gestão urbana que dê prioridade para meios de transporte que não poluem? Ou uma conferência de comunicação?
É evidente que a RBS reitera sua ameaça contra o debate do papel social dos meios de comunicação e portanto das empresas que lhe dão suporte; assim como reitera sua ameaça sobre a organização e a formação dos jornalistas, ou sobre o controle social do conteúdo dos meios, pois, neste último caso, deverá ter que falar de quem até agora excluiu da pauta. E terá, porque os leitores vão quer saber, com amplas matérias e com inúmeros pontos de vista em suas dezenas de veículos (rádios, TVs, jornais e sites), que falar de tudo o que acontecerá na II Conferência Nacional de Comunicação, daqui a dois anos.
Foto: Arthur Lobato
Legenda: Votação na Confecom, em Brasília.