*José Álvaro de Lima Cardoso.
O escritório Regional do DIEESE em Santa Catarina lançou, em Florianópolis, no dia 16 de dezembro, o 2o Livro da coleção “POR QUE CRUZAMOS OS BRAÇOS – GREVES NO BRASIL, DE 1968 AOS DIAS ATUAIS”. O evento foi bastante prestigiado pelo mundo sindical, com comparecimento bastante razoável, o que não é fácil, dado o período do ano, e a gravidade histórica dos seus acontecimentos. A coleção completa, que terá 5 livros e é comemorativa dos 60 anos do DIEESE, completados em 2015, irá disponibilizar ao público, 60 depoimentos de importantes lideranças de greves ocorridas no Brasil desde 1968. Entre os entrevistados, onde estão inclusive dois catarinenses, estão lideranças de diversas categorias de 11 estados da Federação e do Distrito Federal. A publicação se caracteriza pelas diferentes visões de sindicalismo e estratégias sindicais, pluralidade que é marca registrada da atuação do DIEESE.
O debate realizado por ocasião do lançamento da obra foi especialmente importante, considerando o momento único que vive o país, dramaticamente desafiador e de gravidade nunca vista pelos presentes. Afinal, não é todo dia que se conjuga a pior crise econômica da história do capitalismo, com a mais grave recessão da história do país, e um golpe de Estado. Obviamente o livro não traz nenhuma “receita” de como organizar e mobilizar os trabalhadores, mas reúne depoimentos de importantes protagonistas de greves, ocorridas a partir de 1968, boa parte delas realizadas ainda sob a ditadura militar.
A leitura dos depoimentos, contidos nos dois livros já divulgados, necessariamente leva à reflexões sobre características nucleares da nossa sociedade. Por exemplo, a permanente fragilidade da democracia brasileira, que é ciclicamente golpeada, sempre que as elites se veem ameaçadas pelas conquistas dos trabalhadores no referente à salários, direitos sociais e sindicais. Quando, durante um certo tempo, os sindicatos organizados conseguem avançar em conquistas, ainda que modestamente e através da negociação coletiva, os golpes vêm e acabam com o jogo democrático. A história é testemunha disso: de 1926 para cá, apenas 4 presidentes foram eleitos pelo voto popular e permaneceram no posto até o fim: Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitschek, Lula, FHC (Dilma, foi golpeada no segundo mandato). No processo golpista atual, por exemplo, um dos possíveis motivadores para a arregimentação do empresariado em torno do golpe, foi a política de ganhos reais do salário mínimo, o que significa um verdadeiro absurdo, dada a importância da referida política na melhoria de vida de parcelas importantes da população, e também na formação do mercado consumidor interno.
As entrevistas deixam também evidente, ao observador atento, o fundamental papel civilizatório do movimento sindical (no Brasil e no mundo). O surgimento do movimento sindical, enquanto instrumento de defesa dos direitos e interesses da maioria da sociedade, especialmente dos trabalhadores, representou conquista fundamental do processo civilizatório. O sistema capitalista, cujo barômetro principal é o nível da taxa de lucros, tenta permanentemente reduzir salários reais e aumentar ao máximo a quantidade de trabalho não pago, origem do lucro. É difícil imaginar que, sem organização dos trabalhadores via sindicatos, disporíamos de regulamentação da jornada de trabalho, salário mínimo, seguro desemprego, sistema público de saúde e demais conquistas sociais, obtidas à duríssimas penas ao longo da história mundial do trabalho.
Avanços, registre-se, que continuam sempre em disputa, já que nas crises cíclicas do capitalismo, o corte dos investimentos sociais surge invariavelmente como uma “solução”. É exatamente, aliás, o que estamos assistindo neste momento no Brasil, onde todos os direitos dos trabalhadores e dos mais pobres, obtidos em décadas de sangue, suor e lágrimas, correm o risco iminente de serem dizimados em poucos meses pelo governo golpista. Os patrões tentam sabotar de qualquer jeito os sindicatos porque estes são obstáculos aos seus objetivos de lucros, no entanto, podemos imaginar o que ocorreria, caso se os sindicatos não existissem. Uma das razões pelas quais a renda se concentrou nos países chamados desenvolvidos é justamente a baixa taxa de sindicalização.
Algo que perpassa os depoimentos das lideranças entrevistadas no livro é a relação estreita entre defesa dos interesses dos trabalhadores e a soberania nacional. Por mais que os sindicalistas muitas vezes não percebam isso, ao defender o mercado interno, o salário mínimo, a renda do trabalhador, e as riquezas nacionais, os sindicatos estão defendendo os interesses do país. Uma das razões disso é algo muito simples: a esmagadora maioria dos brasileiros vive do seu trabalho ou é sustentado por alguém que vive do trabalho.
*É economista do Dieese