Por Aline Pinheiro
A Itália ficou sem voz na última sexta-feira (9/7). Uma greve dos jornalistas em protesto contra o projeto de lei das escutas telefônicas calou praticamente todos os jornais do país. A televisão, a internet e o rádio italianos também não têm notícias. A greve dura 24 horas. Os italianos voltam a saber o que acontece no país só no sábado (10/7).
O projeto de lei é chamado pelos jornalistas de lei da mordaça. Além de reduzir o tempo do grampo e dificultar o uso das escutas nas investigações, ele proíbe qualquer publicação de conversas gravadas. Hoje, na Itália, o jornalista que publica conversa interceptada protegida por sigilo já se arrisca a ficar um mês na cadeia ou pagar multa de quase 300 euros (o equivalente hoje a aproximadamente R$ 670).
A proposta aumenta esse rigor. Atos da investigação só poderão ser publicados depois do término das audiências preliminares. Conteúdo das conversas gravadas não poderá ser publicado até o fim do processo, seja na íntegra ou apenas informações. O jornalista que desobedecer a lei poderá ficar um mês preso ou pagar uma multa de 10 mil euros (cerca de R$ 22 mil). Os jornais que descumprirem a lei também serão punidos com multas de até 450 mil euros (R$ 1 milhão). A chamada lei da mordaça também corta a voz dos promotores, que não poderão mais falar na televisão sobre os processos aos seus cuidados, sob pena de serem retirados do caso.
O projeto foi apresentado e é apoiado pelo primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi. Desafeto de grande parte da imprensa italiana, Berlusconi chegou a arriscar o seu cargo como chefe de Estado para que o projeto fosse aprovado no Senado. O empenho é justificado. Enquanto investigado por corrupção, o primeiro-ministro viu seu casamento e sua reputação ruírem depois que imagens de festas privadas com garotas de programa foram parar na televisão e nos jornais.
Para impedir que as propostas do governo italiano virem lei, a Federação Nacional da Imprensa Italiana convocou a greve na categoria. O movimento foi bem organizado. Para que o país fique sem notícias nesta sexta, jornalistas que trabalham em cotidianos paralisaram as atividades nessa quinta-feira (8/7). Não há jornais nas bancas, nem os principais, como o La Republica e o Corriere della Sera, nem os pequenos ou até mesmo os gratuitos. Rádio e televisão estão sem o seu noticiário. Os sites, desatualizados.
O protesto tem muito mais um tom de defesa da democracia do que uma manifestação de classe. A imprensa vem constantemente explicando ao cidadão que, se a proposta virar lei, é ele quem vai ter violado o seu direito constitucional à informação.
A adesão à paralisação foi maciça. Até os esportivos estão calados. Um ou outro jornal isolado e pouco conhecido preferiu circular mesmo assim, mas, dadas às proporções do silêncio no país, esses desgarrados não abalaram a pressão que a imprensa tenta colocar nos políticos. Na televisão, por exemplo, as duas principais emissoras italianas — a Rai e a Mediaset — estão sem notícias. No RaiNews, com notícias o dia inteiro, no entanto, o silêncio foi rompido em duas janelas informativas ao longo do dia. O apresentador, depois de explicar o manifesto dos jornalistas, leu um resumo do noticiário nacional e internacional.
A Mediaset, da família do primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, também usou o seu site, o Tgcom, para informar a adesão ao movimento. O protesto dos jornalistas no país terminou às 6h de sábado.