Certas surpresas nos levam a questionar determinados critérios que antes validavam opiniões, posturas políticas e análises críticas. O Fórum Social Mundial 2011, em Dakar, no Senegal, se mostrou, já no primeiro dia de atividades – 7 de fevereiro – como uma dessas surpresas capazes de mudar nossa maneira de analisar os fatos e fazer uma crítica.
O impacto que o número imenso de africanos, mais de 20 mil só no segundo dia, fora os mais de 40 mil estudantes da Universidade Cheikh Anta Diop de Dakar que, devido a uma repentina mudança de reitor e de política de gestão, às vésperas do FSM, manteve as aulas e restringiu o número de salas disponíveis no campus para o evento internacional, juntamente com um contingente enorme de militantes, intelectuais e ativistas de movimentos sociais de todas as partes do mundo, aglomerados em um espaço caótico e desorganizado causa, passou de um misto de suplício e decepção para a constatação do que há de mais relevante na realização de um evento como esse, a necessidade de humanidade que vence as barreiras da dificuldade estrutural e redesenha as formas de organização de movimentos civis na busca pela autonomia, equidade e liberdade.
No dia 6 de fevereiro, dia da abertura oficial do FSM, tudo transcorreu como o esperado. Com a maioria dos participantes ainda chegando ao país, o dia foi marcado pela já tradicional passeata, que contou com aproximadamente mil pessoas. O primeiro dia do FSM terminou com shows de bandas africanas e com um frio que pega qualquer um de surpresa. Mas o que salta aos olhos dentro de dessa universidade de tamanho descomunal, com estruturas sujas e carcomidas que abrigam estudantes de vários países da África, não são as falhas, mas sim os próprios olhos dos africanos, quando trocam olhares com os presentes. A vontade de quem carrega uma herança guerreira que perdura na forma como eles se dedicam e participam do próprio evento está no fundo dos olhos brancos
Os problemas na organização, a dificuldade de acesso ao credenciamento e estrutura de acampamento, alimentação e comunicação, não tiraram, até então, o brilho intenso do evento conferido pelos olhos desse povo negro e forte, carregado de pretura e orgulho. Isso pode ser comprovado em frente à biblioteca da universidade, onde, de magafone em punho, alunos bacharéis de diversos cursos protestavam com uma firmeza de assustar contra a transferência deles para outra universidade em Dakar e pelo excesso de estudantes no campus.
O estudante de Letras e voluntário intérprete do FSM, Alioune Badara Soumboundou, é quem explica a situação. Eles não querem sair do local porque ali é uma das melhores universidades da África, afirma o estudante em inglês. Alioune, assim como quase todos os africanos em Dakar com quem se pode partilhar, é de uma presteza que dedicou a todos os estrangeiros. Eles acham os lugares, traduzem as conversas e carregam sua bagagem sem aceitar um não como resposta, tudo com um sorriso e um ar de benevolência inexplicável e indescritível.