Fomos ou somos colonizados, eu sei (decidam qual o melhor verbo). E isto explica muita coisa. A começar pela subserviência de muitos jornalistas e comentaristas políticos e econômicos, sempre que o país assume uma posição mais independente. A popularidade do atual governo é enorme, a despeito das críticas diárias da mídia. O Brasil da mídia parece pensar diferente do Brasil dos brasileiros. Há uma tentativa cotidiana de influenciar a opinião pública, mas o discurso parece não encontrar ressonância. Talvez nas classes média e rica, que leem Veja e acreditam! Mas o Brasil do chão de fábrica, de quem acorda de madrugada para ganhar salário mínimo, parece não concordar muito com o que escrevem e divulgam esses jornalistas. Aliás, sempre que o povo não vai para onde a elite gostaria que fosse, surgem análises apressadas para tentar elucidar o que aconteceu. O povo é visto apenas como massa de manobra. Direita e esquerda neste ponto se igualam e se alternam em dar explicações pouco convincentes, sempre que a plebe decide contrariamente aos seus interesses.
O Brasil, resultado de séculos de colonização estrangeira e artimanhas locais para não mexer no que é essencial, produziu cidadãos que preferem “macaquear” tudo que vem de outros países a afirmar a própria autenticidade. A começar pela língua. Há exagero de estrangeirismos. Hoje a comida é “delivery” e ninguém mais faz um intervalo para o café, todos preferem um coffee break. Parecem optar pela culta submissão a uma altivez mais cabocla, mais original. Nossa grã-finagem tem vergonha da língua portuguesa e quer distância de tudo o que é popular, daí essa tentativa tão desesperada quanto patética de se identificar com o modelo europeu ou norte-americano.
Só mesmo essa mistura de servilismo com arrogância é capaz de explicar as análises de alguns jornalistas, notadamente na TV, onde proliferam argumentos toscos e de pouca lógica. Para não falar em inteligência e sensatez. Na política externa, tudo que parece incomodar os Estados Unidos também incomoda nossos comentaristas. Disseram que a política de buscar alianças com países de menor expressão era equivocada. Não foi o que aconteceu. Num mundo em que a liderança política dos Estados Unidos é incerta, em que novos atores têm a pretensão de subir ao palco, o Brasil teve papel importante ao articular-se com outros países para questionar a diretriz econômica mundial do G-8. Hoje é impensável formular políticas de impacto global sem, pelo menos, o G-20. Para quem ainda não se atualizou sobre o que está ocorrendo na geopolítica internacional, basta dizer que, até 2050 os países do BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China –, juntos, devem superar as economias dos seis países mais ricos do mundo (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália). O BRIC representa hoje mais de 40% da população mundial.
Essa ascensão econômica e política não evitará arranhões. Liderança implica em meter a colher onde se é chamado – e às vezes até onde não se é chamado a interferir diplomaticamente. Quer os Estados Unidos e os principais países europeus gostem ou não. Como aconteceu no caso de Honduras, um golpe que teve a complacência da mídia brasileira. Ou no caso da visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. “O Brasil não tem nada a ganhar e arrisca o seu prestígio”, foi a crítica mais branda de tudo que disseram alguns dos mais famosos jornalistas da TV brasileira.
O futuro do planeta passa pelas relações do Ocidente com o Oriente e não será pelo isolamento político ou pelas armas de guerra que os problemas serão resolvidos. Basta ver o que toda a força militar foi capaz de produzir no Iraque e no Afeganistão. Boa parte dos comentaristas de jornais, rádios e tevês insistiram em desconsiderar o óbvio: os três dirigentes mais emblemáticos dos conflitos que podem redesenhar o mundo, aceitaram a mediação do presidente Lula como um possível interlocutor na mais delicada questão política do momento. Os presidentes de Israel, Shimon Peres, da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas e do Irã, Mahmoud Ahmadinejad vieram ao Brasil praticamente em sequência. Se fosse Obama, os comentaristas elogiariam a liderança política. Diriam que é o que se espera de um Nobel da Paz. Se é Lula, a diplomacia é suspeita, contestável, duvidosa, arriscada. Típico de mentes colonizadas. E de quem manipula informação construindo países “perigosos” conforme os interesses em jogo. Já foi a Nicarágua e o Vietnã, e agora são o Iraque, o Afeganistão e o Irã. Porque com a China ninguém se mete.
É preciso “demonizar” para legitimar o uso da força – inclusive militar. Nunca é bom esquecer – e disso nossos comentaristas jamais lembram – que o país que mais se envolveu em guerras no século 20, que apoiou golpes e ditaduras em todo o planeta, o país que mais bases militares espalhou pelos cinco continentes (865 pela lista do Pentágono, o que corresponde a 95% do total), que tem o maior orçamento militar (mais de US$ 500 bilhões), não é o Irã, nem o Iraque, tampouco o Afeganistão, a despeito de todo o mal que possam um dia vir a causar. Este país é os Estados Unidos, o único até hoje, a fazer uso de armas nucleares em uma guerra – e contra populações civis. E que está instalando sete bases militares na Colômbia, na fronteira da Amazônia (sim, a guerra pelo controle dessa região estratégica para o futuro já começou, mas só vai ser declarada mais adiante).
Trata-se de um país que declarou para quem quisesse ouvir que se reservava o direito de agir “unilateralmente quando necessário”, incluindo “uso unilateral de poderio militar” para defender interesses vitais, tais como “o acesso ilimitado a mercados-chave, suprimentos de energia e recursos estratégicos”. Tradução mais simples: dane-se o direito internacional quando houver interesse dos Estados Unidos. Segundo Noam Chomsky, professor do MIT – Massachusetts Institute of Technology – “os Estados Unidos são um Estado fora da lei”. Basta conferir a história. Perigoso, não?
É justo que todos queiramos acabar com a ameaça nuclear no planeta, mas é preciso que os países que possuem bombas atômicas comecem a desativá-las. Ou seremos tão cínicos a ponto de aceitar que apenas alguns “eleitos” poderão destruir o planeta se acordarem, quem sabe, algum dia, de mau humor?
Autor:Celso Vicenzi – Jornalista, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas/SC, assessor de imprensa de um sindicato de trabalhadores e de uma cooperativa de crédito. Publicado originalmente em www.acontecendoaqui.com.br