Celso Augusto Schröeder*
O golpe militar de 1964 foi fruto da conspiração da Fiesp com os EUA e teve o apoio da mídia de então. O resultado foi uma mobilização militar que beirou o blefe, mas que, amparada numa crise criada a partir principalmente dos grandes jornais e na venalidade do parlamento e da Justiça, jogou o país na escuridão por quase três décadas.
Hoje, os atores são praticamente os mesmos, porém em papéis diferentes. O golpe em andamento foi gestado a partir da mídia, adotado pela Fiesp e continua sendo amparado pela venalidade do parlamento e do Judiciário. Então, diferentemente de 64, que, a partir do amparo ideológico e financeiro da Fiesp e amplificado pela mídia, é tolerado e implantado pela força das armas, até agora a ruptura está sendo formulada e executada a partir da mídia, com ações de apoio no Judiciário e parlamento sem, até agora, a participação dos militares.
Este formato não é original. Foi testado com sucesso e com as suas particularidades, primeiro, em Honduras e, principalmente, no Paraguai. Nos dois países, a corrupção foi, como sempre, usada como amálgama, a Justiça como avalizadora e a mídia como as novas forças armadas, que usam a mentira, a meia verdade, a calúnia, a difamação e a desinformação no lugar do canhão e do tanque.
É claro que esse novo papel protagonista na política apressa a morte do jornalismo a partir das empresas de comunicação e joga os jornalistas num impasse, impondo novas obrigações. Individualmente, os jornalistas são obrigados a escolher entre respeitar seus compromissos éticos/técnicos que a profissão exige ou se submeter aos interesses antissociais pelos quais as empresas passam a ser geridas.
De maneira que, desta vez, nós, jornalistas, estamos no centro do furacão. Queiramos ou não, somos os novos protagonistas. Só nos resta escolhermos os papéis. E esta performance será cobrada pelo resto dos nossos dias. Estaremos ao lado da legalidade, da democracia e do Estado de direito ou legitimaremos uma nova ordem construída no arbítrio, na leitura enviesada e partidária da lei, conduzida por personagens sombrios que se movem a partir de interesses não públicos.
Se existe esta possibilidade de escolha do ponto de vista individual, coletivamente não podemos titubear. O jornalismo e os jornalistas brasileiros de hoje não podem trair a memória dos jornalistas de ontem nem negar o jornalismo que contribuiu mais de uma vez para que o país superasse suas dúvidas e impasses e, muitas vezes contrariando as empresas que o produzia, possibilitou a reflexão e permitiu à razão produzir as negociações necessárias para a existência da esfera pública.
De maneira que resta aos jornalistas brasileiros, amparados no seu código de ética, armados dos preceitos técnicos da profissão, munidos do senso de responsabilidade histórica e comprometidos com a história de seus mártires e vítimas do arbítrio, exercer sua atividade ao máximo. Somente o jornalismo evitará a morte do jornalismo e da democracia com ele.
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* Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas
Publicado originalmente em Zero Hora