Por Anderson Passos.
Quem deve responder pela ofensa produzida por um texto veiculado num blog? O jornalista que escreveu o conteúdo ou o administrador do site? Ou é válido responsabilizar somente o editor do portal na ausência do autor da ofensa? A questão jurídica está eclodindo no Rio Grande do Sul, onde o jornalista e colunista político gaúcho Políbio Braga processou o colega Walter Valdevino, administrador do blog Nova Corja, por um texto publicado no último dia 25 de junho.
O texto, assinado pelo jornalista Rodrigo Alvares, insinua que Políbio fez permuta com autarquias ligadas ao governo estadual e à prefeitura de Porto Alegre. Segundo a nota, Políbio Braga fazia elogios à administração estadual e municipal e em troca publicava anúncios pagos de órgãos públicos em seu site. “O que leva anunciantes como Prefeitura de Porto Alegre, Banrisul, Assembléia Legislativa, BRDE [Banco Regional de Desenvolvimento], Cremers [Conselho Regional de Medicina] ou Simers [Sindicato Médico] a comprar mídia em sites sem expressão, tais quais os de Políbio Braga…. Certamente não é a repercussão ou os preços camaradas” diz o texto publicado pelo blog em 25 de junho passado.
O colunista político ingressou com duas ações contra o editor do blog, alegando não ter conseguido localizar o verdadeiro autor — Rodrigo Álvares — o qual classificou como fugitivo. A ação cautelar por danos morais foi extinta na última segunda-feira (7/7) pelo juiz Regis de Oliveira Montenegro Barbosa, da 18ª Vara Cível de Porto Alegre. Na ação, o autor disse ter sido “alvo de conteúdo com ofensas perpetradas no site de cuja responsabilidade é do requerido, evidenciando a vontade de ofender a honra, tornando público, fatos mentirosos que visam atingir, diretamente a sua honra pessoal, o decoro e prestígio do Autor perante a sociedade”.
Políbio também ingressou com ação penal com pedido de antecipação de tutela contra o jornalista Walter Valdevino por calúnia, injúria e difamação. O juiz de primeira instância indeferiu o pedido de tutela antecipada e estabeleceu prazo para o réu se defender. “Não reputo presentes os requisitos necessários ao deferimento da liminar, na medida em que a matéria ora submetida à apreciação diz com aspectos eminentemente fáticos, de modo que se afigura recomendável oportunizar o exercício do contraditório à parte ré. À vista de tais fundamentos, ressalvada a possibilidade de reexame do pleito após a contestação, indefiro a antecipação de tutela”, afirma Barbosa. Cabe recurso em ambos os casos.
Valdevino e seus colegas do Nova Corja repercutiram em novas mensagens todas as iniciativas de Políbio Braga para localizar Rodrigo Alvares, autor do primeiro texto polêmico. Em e-mail à revista Consultor Jurídico, Alvares diz que foi ameaçado por Políbio. Ele registrou as ameaças na polícia e promete processar o colunista político que o chamou de “fugitivo”. A Súmula 221 do Superior Tribunal de Justiça diz: “São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação”.
Repercussão
Especialista em Direito na internet, o advogado Renato Opice Blum afirma que tanto o administrador do site quanto o provedor podem ser responsabilizados pelo que é publicado na rede.
Ele afirma que a Justiça reconhece a responsabilidade de três agentes em crimes praticados na internet: quem hospeda, quem administra e quem escreve para o site ou blog. “A partir do momento em que o administrador comenta a repercussão do caso num novo post, ele deixa claro que tinha conhecimento do fato e não tomou a atitude de, por exemplo, retirar o texto original e os respectivos comentários do ar, por exemplo”, esclarece Renato Opice Blum.
De acordo com o advogado, se o administrador ou a empresa que hospeda o blog retiram o comentário do ar, é grande a possibilidade de o processo ser extinto.
Crimes cibernéticos
Com relatoria do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), tramita no Senado um projeto de lei que tipifica os crimes na internet. O texto é um substitutivo a três outros projetos sobre a mesma matéria: PLC 89/2003 (da Câmara); PLS 76/2000 e PLS 137/2000 (do Senado). O texto já foi aprovado nas comissões de Educação, Ciência e Tecnologia, Constituição e Justiça (CCJ) e ainda na Comissão de Assuntos Econômicos, onde recebeu emendas e parecer favorável do senador Aloízio Mercadante (PT-SP).
O advogado Omar Kaminski, especialista em Direito na Internet, disse que o substitutivo virou “um verdadeiro Frankenstein” porque várias pessoas colaboraram com sugestões, sem levar em conta a visão geral. Por isso, acredita, será muito difícil a incorporação das regras no contexto legislativo do Brasil. “O ideal mesmo seria colocar o atual substitutivo de lado e recomeçar do zero. Do jeito que está mal engendrado, simplesmente não irá funcionar”, avalia.
Kaminski diz que já existem leis que tratam dos crimes no ambiente cibernético. Ele cita como exemplo a Lei 9.983, que versa sobre delitos praticados exclusivamente por funcionários públicos e que foi sancionada em 2000. A Lei 10.764, de 2003, que atualizou o Estatuto da Criança e do Adolescente, também faz referência aos crimes cometidos na rede mundial de computadores.
O advogado sublinha ainda que o atual projeto já tramita no Senado há dez anos e que é preciso estar atento para as novas tecnologias e as conseqüentes tipificações de crimes na web que poderão surgir. “Será que daqui a 30 anos ainda existirão tais definições e tal realidade pontual?” — pergunta. “Porque, se formos depender de novas alterações, e tendo em vista que a tramitação atual está levando mais de 10 anos, a situação atual sofrerá rápido obsoletismo”, dispara.