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No jornal, a kriptonita não faz o mesmo efeito

Anunciado dia 29 de outubro pelo Grupo Estado, o fechamento do Jornal da Tarde, de São Paulo, que colocou o ponto final num arrojado e vitorioso projeto editorial, trouxe à baila o debate sobre os impactos das novas tecnologias sobre o Jornalismo e a profissão de jornalista.

Há dois meses o tema foi debatido no 6° Congresso de Jornalistas de Santa Catarina, realizado em Laguna. Conclusão: é preciso assumir uma postura crítica e até, em alguns momentos, de resistência coletiva em relação às mudanças nos processos de produção e distribuição da notícia. Não podemos ceder à manipulação ideológica da tecnologia que nos apresenta um mundo onde são tantas as facilidades trazidas pela inovação que não existem mais problemas. Ou, nas palavras do filósofo espanhol Carlos París, aceitar a visão simplista de que, para gozar vida, as pessoas só precisam apertar alguns botões.

A ideia de um determinismo tecnológico, em que tudo é visto como natural, benéfico e inexorável, levou à chamada era do “superjornalismo”, traduzido não necessariamente em um jornalismo melhor, mas em múltiplas tarefas para o profissional, que passou a atuar em diferentes plataformas – um fetiche que na verdade esconde o fato de que nada disso ocorre por mero acaso e simplesmente reproduz deliberadamente a lógica produtiva dominante de alienação do trabalhador e substituição do trabalho humano.

Da mesma forma, o viés da pura negação da tecnologia (que explode na falsa dicotomia entre o velho jornalista e o novo) se explica pela incompreensão de que tanto a ciência quanto as técnicas e inovações decorrentes dela não são boas ou más em si mesmas, mas sim alvo da disputa hegemônica entre projetos de produção sociais antagônicos e, também, o resultado da concorrência entre grupos econômicos e até entre nações.

O tema impõe a necessidade de o jornalista sair da posição de expectador para se colocar como partícipe da discussão das transformações tecnológicas, que chegam como doce promessa de dilatar o tempo livre, mas acabam por converter-se na esfinge que aniquila direitos, muitas vezes sacrifica a ética profissional, institui o desemprego em massa e, por fim, encurta os horizontes da vida humana.

As profundas contradições estabelecidas pelo atual modelo econômico, inserido na lógica do lucro a qualquer custo – social e ambiental, estão a requerer a definição de estratégias de luta para neutralizar os ataques sofridos tanto pelos jornalistas no seu ambiente de trabalho, quanto pela sociedade, que se vê privada de seu direito à informação.

A contar pelo que circula hoje na internet, fica evidente que a simples transferência da notícia para uma plataforma tecnologicamente mais avançada não tem o condão de transformar conteúdo bruto em jornalismo de qualidade. Na realidade das redações, a kriptonita dos superjornalistas parece não ter o mesmo efeito da ficção.

Autor:Valmor FritschePresidente do SJSC

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