O Brasil é um país continental com uma diversidade cultural dificilmente encontrada em algum outro lugar. Apesar disso, na maioria das vezes assiste-se a poucos gêneros porque as outras expressões são restringidas quase sempre por um sistema monopolizado de comunicação. Nas opiniões não é diferente. Há uma restrição enorme das posições que divergem daquela considerada “predominante” pelos meios de comunicação.
Por isso é quase impossível colocar em contradição ao grande público a opinião dominante sobre todos os assuntos nacionais, pois são poucas as vezes em que se consegue espaço para a divulgação do contraditório. Nos anos noventa havia no Brasil o predomínio de uma visão neocolonial de que o Brasil deveria se tornar um apêndice da economia norte americana com a adesão ao tratado que criava a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
Ao mesmo tempo, havia uma resistência grande de vários movimentos contra essa situação, em razão do risco da perda de autonomia política e produtiva do país. A preocupação não era desmedida tendo em vista que a maior parte do patrimônio público já havia sido vendida sob a promessa de melhorias na vida das pessoas que nunca chegava.
Assim, naquela década, foi com espanto e enorme satisfação que o surgimento público da posição do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, contrário a ALCA, reforçou e deu ânimo aos que lutavam não apenas contra essa possibilidade mas também contra a invisibilidade da sua resistência. Finalmente a partir de 2003 a ALCA foi enterrada. Depois disso, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães ocupou vários cargos no Ministério das Relações Exteriores e em outros ministérios e secretarias do governo.
No dia 08 de agosto Guimarães esteve em Florianópolis para participar de várias atividades entre elas uma conferência para dirigentes sindicais, de movimentos sociais e estudantes, organizado pelo Escritório Regional do DIEESE. A principal lição da sua palestra foi mostrar que os ideais não envelhecem com o tempo, ao contrário, devem ser constantemente alimentadas para dar força aos que lutam pela transformação da sociedade em algo melhor para todos.
O embaixador tratou dos desafios externos e internos para construção de um Brasil para os brasileiros, tendo como referência o seu último livro “Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes” (editora Contraponto). Contextualizou a crise mundial desde 2008 e questionou porque é fraca a reação dos países. Para ele a resposta está na distribuição da produção atualmente no mundo. O espaço produtivo deixou de ser nacional e a presença da China é elucidativo nesse contexto já que se constituiu como a maior nação importadora de bens primários e exportadora de manufaturas. A ausência de controle sobre a produção reduz a força de orientação dos estados nacionais e por isso, ao invés de se adotar medidas de regulação da produção de bens e serviços como os financeiros, restou a adoção de medidas de austeridade contra a sociedade para tentar sustentar um modelo de produção que pouco responde as necessidades da maioria da população.
Não tem sido diferente a situação do Brasil. Para o embaixador é enorme a entrada de empresas estrangeiras no país, na maior parte beneficiadas por medidas de incentivos. Na prática essa situação tem aprofundado o déficit das contas externas do Brasil recriando a dependência de capitais externos e a necessidade cada vez maior de elevação dos juros. Por isso que a possibilidade de retomada de taxas elevadas de crescimento sustentáveis são cada vez mais difíceis.
A definição das regras de funcionamento da economia está na política. Para Guimarães é na política que as regras devem ser construídas, portanto sem a ocupação desses espaços por agentes que tenham como preocupação o fortalecimento produtivo do Brasil como uma nação forte e independente reduz a possibilidade de mudanças.
Nesse ponto o embaixador não deixa dúvida sobre a sua posição política: o governo, depois de desonerar tanto o capital nos últimos tempos sem nenhum resultado prático, precisa reorientar a sua ação e passar a desonerar o trabalhador. É preciso melhorar as condições de trabalho e dos trabalhadores pois será isso que permitirá que o país dê um salto de qualidade na forma de inserção produtiva no mundo que será determinada pela esfera da tecnologia e não pela redução do salário do trabalhador.
Na palestra Guimarães não deixou de falar das dificuldades de construção de uma visão alternativa àquela que assistimos todo o dia na televisão. Nesse aspecto ele defendeu que quem pode falar das condições de trabalho são os próprios trabalhadores e avaliou que já há condições de se pensar em um sistema de comunicação dos trabalhadores no Brasil capaz de ser porta voz dos interesses da maioria da população que é a que constrói cotidianamente o país.
A experiência política do palestrante contagiou os presentes na conferência e demonstrou que os ideais não devem ser abandonados pela simples dificuldade de serem alcançados. Na prática as dificuldades é que devem fortalecer os ideais pois apenas revelam a importância da busca de alternativas que coloquem como protagonistas aqueles que constroem a riqueza da nação.
Daniel Passos – economista do DIEESE