Vitor Hugo Tonin*
O que é a PEC 241
Praticamente, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 vem limitar os gastos federais da União pelo ano anterior, corrigida a inflação, pelos próximos 20 anos. Se for aprovada, mesmo que haja crescimento de arrecadação do governo e maior demanda da população, crescimento demográfico ou mais demanda pelos serviços públicos, o governo estará limitado por ela. Não poderá fazer novos aportes de recursos. Significa que não vai ter nenhum aumento real na educação, que não vai ter nenhum aumento real nos gastos sociais porque eles não estarão vinculados às receitas, ou seja, não haverá outra fonte de financiamento, mesmo na previdência, os gastos com ela podem entrar nessa limitação. Não adiantará arrecadar mais porque os recursos destinados a essas áreas estarão congelados.
Os estados, municípios e a União ficam proibidos de conceder qualquer tipo de aumento, vantagem, reajuste ou adequação de servidor, inclusive a revisão geral prevista na Constituição Federal, dar cargo ou emprego que impliquem aumento de despesa, alterar estrutura da carreira, admitir ou contratar pessoal a qualquer título e realizar concurso público por 20 anos. E isso tudo vai trazer um prejuízo gigantesco para a população brasileira, sem nenhum tipo de dissimulação. Eles perderam a vergonha.
A PEC 241 pega não só o Executivo, mas os gastos diretos do governo federal, com saúde, educação, servidor público, porque o reajuste será impossível, Legislativo, Judiciário, TCU, Defensoria Pública – todos os gastos primários que são relativos a pessoal, custeio e investimento serão congelados. Ora alguns gastos não estão limitados. Na verdade essa PEC é para garantir outros gastos.
O que o governo esconde por trás da suposta PEC de contenção dos gastos públicos
Essa PEC não é para limitar os gastos e sim para garantir outros. Essa é a sacada. A PEC 241 vem do governo ainda interino, que representa a Casa Grande, constituída pela elite rica, banqueiros, latifundiários… não vem de um governo eleito. Eles escondem a finalidade da PEC, que é garantir os gastos com a dívida pública. E para isso têm que limitar os gastos com os bens e serviços que a população precisa. Essa PEC é para garantir o pagamento dos juros da dívida pelos próximos 20 anos.
Se os serviços públicos hoje já são insuficientes para a população, imagine depois dessa PEC. Não há como manter a oferta de serviços públicos sem investimentos nestas áreas. Para aprovar a PEC, eles argumentam que os gastos primários estão fora de controle e que por isso a gente está em crise no Brasil. Não é verdade.
Entenda do ponto de vista econômico o motivo para o Brasil estar em crise
Desde os anos 80 estamos vivendo numa regressão, aumento da carga tributária por conta do aumento da dívida pública e a primarização da economia. A acumulação de capital no Brasil passa principalmente pelo sistema financeiro, fortemente sustentado pelos nossos impostos e os juros. Atualmente a carga tributária brasileira equivale a 35% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 1994 a carga tributária era entre 20% e 25% do PIB e foi subindo na medida em que a dívida pública subiu.
Outra questão tem sido a primarização do nosso PIB. Em 1985 a indústria contribuía com 35% do nosso PIB. Um terço do que a gente produzia vinha do PIB. Em 2015 a participação da indústria no PIB caiu para 9%. O valor adicionado da indústria (o que cada setor contribui para a economia em um ano) caiu de 30% para 12%. Ao mesmo tempo as commodities passaram em de 20% do PIB para o que hoje chega a 49%. Estamos cada vez mais num país primário e exportador de café em grão, soja, carne.
Por que a PEC 241 surgiu agora e não antes?
O gráfico de “Evolução do índice de preços dos produtos básicos exportados no Brasil”, explica isso e mostra o que a gente exporta. Nossa bonança econômica só existiu porque os preços dos produtos agrícolas no mercado mundial cresceram, mas na medida em que caíram, nós caímos junto. Excepcionalmente na história as commodities estavam muito valorizadas nestes últimos anos. A gente estava num padrão de exceção e o governo anterior pode aumentar os gastos com saúde e educação que não existiam antes porque havia dinheiro para pagar os juros da dívida e ainda sobrava.
Se olharmos esse gráfico, acima, de evolução de gastos, veremos na coluna roxa o que foi gasto e na coluna laranja o que seria gasto se houvesse apenas o investimento com base no reajuste inflacionário, como quer fazer a PEC 241.
Observem o que aconteceria com os investimentos na educação pública se a PEC 241 já estivesse valendo desde 2003. Os investimentos que iriam para a educação estão na linha vermelha. Na linha azul é possível ver que o governo só passa a gastar mais com educação a partir de 2007.
Se a regra da PEC 241 estivesse valendo, observem o impacto na saúde, no SUS e nas demais políticas públicas de combate a doenças e epidemias se a mudança já estivesse em vigor desde 2003.
As despesas do governo desde 98 cresceram mais do que a inflação, com exceção de 99, quando a inflação foi maior que as despesas. 2003, 2008, 2011 houve mais receitas do que despesas. E o que foi feito com o que sobrou? Pagamos juros da dívida.
No gráfico da auditoria da dívida pública em 2015, a gente pode ver que 42,43% foram para juros e amortizações, a previdência aparece com 22,69% e o funcionalismo não aparece porque ele é dividido por setores. Se olhar outros anos, os juros e as amortizações consomem de 35% a 42% do orçamento público.
Quando a PEC fala de congelar os gastos primários, ela quer dizer que tudo o que a gente arrecadar a mais vai para esse sistema, para a parte amarela da pizza, para os juros e amortizações da dívida.
Em 1994, quando FHC assume, a dívida estava em R$ 60 bilhões. Ele passa para o Lula uma dívida de R$ 600 bilhões. Lula passa para Dilma uma dívida de R$ 1,09 bilhão e hoje esta dívida está em R$ 3 bilhões. É um sistema controlado pelos bancos e nós sabemos bem o quanto eles são especialistas em cobrar juros e taxas. Por mais que a gente economize e pague, a gente não consegue pagar porque os juros são compostos, aí a gente renegocia a dívida e eles impõem juros maiores e vira uma bola de neve. A PEC não é porque o governo está gastando mais, nem se endividando para gastar com o serviço público nem com o fncionalismo. Essa quantidade de dívida é gerada por ela mesma.
Na Constituição Federal diz expressamente que o governo não pode fazer dívida para pagar gastos financeiros. A gente não pode fazer dívida para pagar juros. Por isso precisamos fazer uma auditoria da dívida. E por isso inventaram essa PEC para alterar a Constituição Federal e garantir que essa bola de neve continue engordando os bolsos de quem já tem tanto nesse país.
Entenda a lógica do momento
Se a gente olhar 2014 e 2015, o que caiu foi a arrecadação do governo. Para fazer política anticíclica o governo deu uma série de desonerações para os industriais, IPI e contribuições sociais sobre a folha de pagamento. Isso gerou um impacto gigantesco na arrecadação. O governo abriu mão de receitas achando que os capitalistas iam investir. Confiaram demais em quem não merecia confiança. Os capitalistas ficaram com as desonerações para eles e o governo ficou sem arrecadação. Uma alternativa seria manter a arrecadação e usar o governo para investir, o que não foi feito.
Em países centrais, no último período de crise mundial, muitos países aumentaram os impostos sobre os mais ricos – e não estamos falando de nenhum país comunista.
Uma economia desindustrializada, que não vende produtos com valor agregado, só commodities (cujos preços são e estão baixos), entra em crise, ainda mais num contexto mundial de retração. E um governo golpista, que não se elegeu, adota a plataforma política que atende aos seus próprios interesses sem a menor vergonha.
Quais soluções poderiam ser adotadas pelo governo sem prejuízo aos trabalhadores
Alterar a estrutura tributária de modo que ela não recaia sobre os trabalhadores e os mais pobres. Temos que sair dos lugares comuns. Imposto sobre grandes fortunas, previsto na Constituição Federal e não regulamentado, o imposto sobre heranças, tributação sobre remessas de lucros (que as empresas estrangeiras enviam para o exterior), eliminar as desonerações, combater a sonegação…
O João Goulart queria 10% de imposto sobre as remessas de lucros para aplicar no Brasil e foi essa uma das razões que o fez cair. Em 1995 o FHC dá um prêmio para as estrangeiras e diz: vocês vêm aqui, lucram e podem enviar para as matrizes sem imposto sobre os lucros.
Aumentar imposto sobre o faturamento das empresas não adianta porque elas repassam sobre os preços, já o imposto sobre lucro não dá para repassar. Adotar uma tributação sobre exportação de commodities (lei Kandir), porque tarifa zero só faz a gente exportar produtos primários, soja, carne, café em grãos.
Reestruturar a tabela do IR, que não é corrigida sequer pela inflação. Quem ganha acima de R$ 4500 paga 27,5%, quem ganha 100 vezes mais paga 27,5%. Ou seja, quem tem menos paga proporcionalmente mais imposto neste país.
Elevar o IOF (imposto sobre compras realizadas o exterior), diminuir impostos indiretos sobre o consumo, como o IPVA de carro (helicópteros e iates não pagam), grandes proprietários de terras também não pagam imposto, enquanto nós aqui na cidade pagamos o IPTU sobre a propriedade.
Outras iniciativas urgentes: a redução imediata da taxa básica de juros, auditoria da dívida e reforma do serviço público.
*Economista e membro da Direção Nacional da Intersindical Central da Classe Trabalhadora