O perfil do jornalista mudou. A nova geração é hegemonicamente feminina, com menos de 35 anos, não sindicalizada, de formação política débil, massacrada pelo tipo de empregabilidade a que está submetida e pela densificação do trabalho. As evidências desta realidade estão reunidas no livro As mudanças no mundo do trabalho do jornalista (Editora Atlas, 2013), organizado por Roseli Figaro, professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e coordenadora do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho (CPCT) da ECA. O livro conta com textos de Rafael Grohmann e Cláudia Nonato, doutorandos do CPCT, além de préfácio de José Marques de Melo, jornalista e um dos fundadores da ECA. Em 1972, Melo e o também professor da ECA, Jair Borin, traçaram o “perfil do jornalista profissional em São Paulo” da época, relatório reproduzido no pósfácio desta edição.
A pesquisa foi construída a partir de 2010 com quatro tipos de amostras. Os componentes do Grupo A foram captados por redes sociais, principalmente via email. Uma segunda amostra abordou os profissionais do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo (Grupo B). Jornalistas contratados de uma grande empresa editorial de São Paulo compuseram o Grupo C. A quarta amostra utilizou como critério jornalistas freelancers(Grupo D).
Do cruzamento desses dados, o grupo percebeu, sob o ponto de vista quantitativo, que os jornalistas sócios do sindicato são majoritariamente homens e de gerações mais velhas, com mais de 35 anos. Nos outros grupos de amostragem, destacaram-se mulheres jovens não sindicalizadas. Houve, portanto, uma mudança do perfil dos jornalista por gênero e também a constatação de que os jovens se sindicalizam menos.
Roseli conta que, durante a análise qualitativa, surgiram questões dos jornalistas relacionadas ao engajamento e descrédito na organização enquanto categoria. “Acredito que isso se dê pela atual situação de empregabilidade e pela precarização desses laços, que tornam a questão da sindicalização e da organização muito frágeis”, afirma.
Uma das perguntas do questionário queria saber se o profissional encontrava tempo para planejar sua vida – se tem conseguido planejar para curto, médio ou longo prazo, ou não tem conseguido planejar. Os resultados apontaram que os mais jovens e os profissionais freelancers são os que menos têm conseguido planejar. “Isso quer dizer trabalhar hoje, para consumir hoje e não saber como será seu trabalho no ano que vem”, explica a professora. Ela aponta que essas pessoas, com instabilidade e dificuldade em se relacionar com o mundo do trabalho, não vislumbram soluções coletivas – como sindicalizar-se ou organizar-se para pleitear melhores condições de trabalho –, mas sempre saídas individuais como, por exemplo, arranjar mais um emprego. “A solução de classe jornalística parece que se esvai”,acrescenta Rafael Grohmann.
“Um entrevistado afirmou não saber a diferença entre PMDB e PSDB e que não queria aprender, pois não se interessava pelo assunto e preferia que Paulo Maluf escrevesse uma matéria sobre política do que ele”.
O doutorando considera que os jornalistas mais jovens têm uma perspectiva “ajustada às prescrições do sistema econômico capitalista” no sentido, por exemplo, da valorização do empreendedorismo. Ele avalia que pouquíssimos entrevistados iam contra o pensamento contra hegemônico.
Roseli relata falas daquele profissional que não se encontra nas grandes mídias e que procura trabalho em mídias alternativas para se realizar enquanto jornalista. “Ele não se via respondendo aos paradigmas da profissão, como a aspiração do jornalista como mediador social, seu comprometimento com as causas da verdade, da democracia, da cidadania nas grandes mídias”, aponta Roseli. Ela ressalta que esse tipo de profissional só conseguia suprir seus anseios quando ele mesmo se patrocinava, trabalhava de graça ou batalhava para publicar material próprio e independente em sites e revistas alternativas. Quando esse profissional conseguia colocar pautas alternativas na grande imprensa, Grohmann relembra que o termo utilizado era “contrabandear informação”.
Grohmann questiona também até que ponto os jornalistas estão discutindo política na sua formação. Ele relembra dois relatos. Um, de uma menina que dizia fugir da aula de política na faculdade. Outro, de uma pessoa que afirmava não saber a diferença entre PMDB e PSDB e que também não demonstrava interesse em aprender, pois não se interessava pelo assunto e preferia que Paulo Maluf escrevesse uma matéria sobre política do que ela.
No livro, enquanto Cláudia Nonato focaliza o segmento dos jornalistas sindicalizados em São Paulo, Grohmann trabalha o jornalista como receptor, buscando compreender quais os produtos culturais preferidos pela categoria.
Ele percebeu que, embora o jornalista acesse mídias alternativas, o que ele mais segue ainda é a mídia tradicional e grandes veículos de comunicação. E a busca, geralmente, está mais ligada ao seu trabalho do que à obtenção de informação em si. “Ele assiste à televisão para criticar o trabalho dos outros ou então para melhorar seu próprio desempenho. O jornalista nunca desliga, mesmo quando está no sofá de casa”, aponta Grohmann. O pesquisador retoma a questão do ajustamento às prescrições do sistema econômico capitalista, afirmando que o jornalista chega, em sua crítica, no máximo a “que off ruim, essa manchete não está boa, essa passagem não ficou legal”, e não consegue atingir críticas ideológicas mais profundas.
O doutorando critica também a existência esporádica, dentro das faculdades de jornalismo, do debate do jornalista enquanto profissional, justamente em um momento em que a categoria presencia uma séria de demissões. “O jornalista poucas vezes se pensa enquanto trabalhador, ele é o super-herói, o salvador da pátria”, explica. “Mais do que os dados quantitativos, acho que o maior crédito do nosso livro é provocar essa discussão. A classe dos jornalistas está trabalhando muito e não está olhando direito para essas questões tão fundamentais”, afirma Grohmann.
Por Anaïs Fernandes USP Online