O final do primeiro mês de 2016 foi marcado pela 22ª fase da Operação Lava Jato, cujo codinome parece ser planejado entre o juiz Sérgio Moro, o Ministério Público Federal e Polícia Federal do Paraná, que comandam a investigação, e os principais veículos de comunicação do país: “Triple X”.
A velha prática manjada da “pauta casada” foi deflagrada pela revista Veja (ed. 27/01/2016: “O tríplex de Lula – a hora da verdade”), trazendo à tona um assunto já batido nas campanhas presidenciais, desde 2006, quando da reeleição do ex-Presidente Lula: a propriedade de um apartamento tríplex, na cidade de Guarujá (SP). Os jornais Folha de S. Paulo (manchete edição em 28/01: “Nova fase da Lava Jato mira imóvel tríplex ligado a Lula”) e o Estadão de S. Paulo (ed. “Nova fase da Lava Jato chega perto de Lula e cria tensão no Planalto”), exibiram o tradicional “cozidão”, como se diz no jargão jornalístico – nenhuma informação nova; a rigor, um festival de superficialidades, cujo objetivo maior é acusar e desconstruir a imagem de Lula.
A verdade pouco importa: o foco é semear a dúvida e repassar ao ex-Presidente Lula o ônus de provar sua inocência, numa perversa inversão do princípio previsto na Constituição Federal, pedra angular do Estado Democrático de Direito: “Art. 5. LVII- ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Desde o dia 27 de janeiro, a pauta ganhou dimensão de assunto nacional em todos os telejornais da TV Globo, principal emissora do país. Sem fatos novos e sem conseguir provar a propriedade, a cobertura reforça minha avaliação de que o alvo não é o ex-Presidente Lula, mas uma eventual candidatura sua em 2018. Mídia e Judiciário, mobilizados em torno da Lava Jato, impõem ao país a antecipação das eleições presidenciais, sem a menor responsabilidade que se espera de ambos.
Impeachment saiu de pauta?
A mudança de rumo da mídia, neste começo de 2016, passa a nítida impressão de que a tese do impeachment da Presidente Dilma foi abandonada pelo monopólio midiático. O arguto jornalista Luis Nassif pensa o contrário. Para Nassif, “a ênfase com que os vazamentos voltaram segue o calendário político. Trata-se de reavivar o tema para entregar o caldeirão fervendo ao Congresso reaberto, preparando o clima para a última investida pró-impeachment”. E conclui: “A bandeira do impeachment perde fôlego após a decisão do STF. Então, tratam de levantar o escândalo do Queen Marize, de 4 mil reais, e a Operação Tríplex para reavivar a fogueira do impeachment” (Fonte: http://migre.me/sRGlW). Na minha visão, trata-se, na realidade, da antecipação do calendário eleitoral de 2018. É preciso desconstruir e destruir Lula, urgentemente.
O jornalista Kiko Nogueira (do Diário do Centro do Mundo), citando Paulo Sérgio Leite Fernandes, 79 anos, decano dos criminalistas de São Paulo, avalia que a nova fase da Lava Jato tem um propósito apenas: “O objetivo final dele é prender Lula. É o seu troféu de caça. O juiz se tornou um ícone da política judiciária do Brasil. Foi transformado num símbolo da impecabilidade. Tem, ou acha que tem, esse papel a cumprir. Ele vai medir os riscos da prisão, obviamente. Precisa das provas adequadas. Um problema, para Moro, seria a revogação da prisão preventiva por falhas processuais. Se chegar a prender Lula, mesmo com estrutura probatória adequada, há a possibilidade de uma reação enorme da sociedade civil” (Fonte: http://migre.me/sRGnx).
Numa aliança com o Ministério Público paulista, o juiz Sérgio Moro e seus aliados na mídia monopolista fecham o cerco sobre Lula. O jogo para 2018 já começou e tudo que se viu, em termos de sordidez e baixo nível de campanha, é um pálido ensaio do que se anuncia neste começo de 2016.
Qual o limite da Lava Jato?
Esta é a questão de fundo neste começo de ano. Haverá um limite ou a Lava Jato se transformará numa investigação permanente, cuja prática de vazamentos seletivos vai impactar profundamente a cena política brasileira neste ano e, de forma especial, em 2018?
Não é possível refletir sobre o alcance da investigação comandada pelo juiz Sérgio Moro sem pensar no papel absolutamente vital da mídia no processo.
O articulista do portal Carta Maior, Geniberto Paiva Campos, faz uma pertinente observação em recente artigo publicado naquele fórum: “Qual um trem desgovernado, esses conglomerados foram gradativamente assumindo um papel cada vez mais relevante e decisivo no jogo político. E, rapidamente, os donos das organizações jornalísticas assumiram o papel de empresários. E que dispunham de um produto de alto valor para venda: a formação da opinião pública. Tornando-se bilionários. Criando cidadãos de segunda classe, despolitizados e absolutamente crentes (e militantes) daquilo que a mídia decidia divulgar como verdade. E, mais ainda, dispostos a ir às ruas e avenidas do país, propagando as palavras de ordem dos conglomerados midiáticos. Estes, meros porta-vozes do neoliberalismo” (Fonte: http://migre.me/sRs8x).
Paiva Campos enxerga a mídia como um partido político que atua no cenário com privilégio ímpar, especialmente quando se trata de repercutir, sem nenhum esforço de investigação jornalística, os vazamentos seletivos da Lava Jato: “Estava criado, portanto, um novo partido político. O qual passou a atuar no jogo político de maneira privilegiada. Por não precisar de votos. Ou de prestar contas aos seus eleitores ou à justiça eleitoral. Por prescindir de realizar convenções e debates para indicar seus candidatos e escolher seus projetos e propostas. Usando, ao extremo, o seu poder político, tornou-se o quarto poder (com tendência a assumir o primeiro lugar nessa hierarquia). Exercido no âmbito familiar e restrito aos proprietários das empresas jornalísticas, que se tornaram verdadeiras dinastias”.
Depois do carnaval, o promotor Cássio Conserino (do Ministério Público de S. Paulo), que por sua parceria com a mídia é chamado de “o promotor da Veja”, já intimou o ex-Presidente Lula e sua esposa, Marisa Letícia, para depor. A ver, os desdobramentos midiáticos de mais uma jogada ousada (e de alto risco) no tabuleiro de xadrez da Lava Jato, conectada com a ação política do MP de S. Paulo.
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(*) Professor da UFSC; pesquisador do Laboratório de Sociologia do Trabalho (LASTRO/UFSC) e do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS/UFSC).