0,00 BRL

Nenhum produto no carrinho.

(Re)institucionalização jornalística como opção à crise

Siliana Dalla Costa
Mestranda no POSJOR e pesquisadora do objETHOS

O jornalismo está em crise? Para responder a esta pergunta é preciso fazer outra: o modo como produzimos jornalismo é o mesmo desde quando? Ou seja, crise não é uma palavra contemporânea.

Partindo do pressuposto de que o jornalismo possa nunca ter saído de uma crise, por nunca ter mudado efetivamente seus formatos e suas práticas, é possível afirmar que ele é algo que necessita ser repensado ou reconsiderado de uma forma mais específica.

Neste texto pretende-se observar como a (re)institucionalização das práticas jornalísticas institucionalizadas pode promover mudanças mais profundas e, quem sabe, estabilizar o atual cenário.

Para trilhar este texto é necessário buscar informações teóricas. Instituição é um conceito central da Sociologia. Mas é daqueles conceitos difíceis de utilizar pela amplitude de fenômenos que caracteriza. No nosso dia a dia carregamos conceitos de instituições sem ao menos perceber. A família é uma instituição, o aperto de mão, a escola, o fim de semana… são todos considerados instituições.

No jornalismo encontramos muitas outras instituições. A mídia, as empresas jornalísticas, o jornalista, a notícia, o lead, as editorias, os artigos, a capa, a linha editorial, a produção da reportagem… são esquemas sequenciados e preestabelecidos para ocorrerem de uma forma singular cronicamente repetidos.

É a partir dessa institucionalização das coisas que se determina como será a relação do indivíduo para com a sociedade e vice-versa, mesmo que isso seja inconsciente. Para Berger e Luckmann (2004: p.54) “as instituições foram criadas para aliviar o individuo da necessidade de reinventar o mundo a cada dia e ter de se orientar dentro dele”.

Desta forma, tudo o que faz parte do campo jornalístico e o que é produzido dentro dele, em algum momento passou por uma institucionalização e é levado à risca.

Quem ou o quê (re)institucionalizar

Com a chegada da Internet, na década de 1990, presenciou-se uma debandada das mídias institucionalizadas como tradicionais – especialmente os jornais – se aventurando em um universo escuro e desconhecido. Foram, experimentaram, alguns ficaram, muitos voltaram. Prova disso são as dezenas de webjornais, no Brasil e no mundo, que fecharam seu conteúdo online só para assinantes. A Folha de S. Paulo, por exemplo, só oferece o acesso gratuito a cinco reportagem por mês. O Estadão libera 13 acessos gratuitos. Zero Hora, O Globo, entre outros, também tem regras de acesso.

Já as que permanecem no mundo digital de forma aberta pouco sabem como lidar com essa instituição, muito menos como transformar a instituição Internet em algo atraente do ponto de vista monetário.

Segundo o relatório Jornalismo Pós-industrial, do Tow Center for Digital Journalism da Universidade de Columbia (Anderson; Bell; Shirky, 2013), dois dilemas são apontados como centrais da institucionalização do jornalismo do século XXI. Um deles justamente a necessidade de adaptar as organizações jornalísticas tradicionais à Internet. O outro é a necessidade de institucionalizar novas formas de produção de notícias.

Concentremo-nos então na busca por exemplos alinhados a deste último para que possamos responder à pergunta do subtítulo. Embora modelos como veículos digitais sem fins lucrativos, coletivos de transmissão de vídeos ao vivo pela internet (streaming), experiências de jornalismo com financiamento coletivo (crowdfunding), microorganizações que cobrem temáticas específicas e atendem nichos também específicos necessitem, como defende Guerreiro Neto (2015), de tempo para se estabilizar, sempre é hora de começar. Ou seja, todos eles podem ser relevantes num futuro próximo.

Rearranjos como esses, e também os que serão oferecidos como exemplos prático logo abaixo, representam um panorama alternativo, não definitivo. Afinal, não buscamos desinstitucionalizar o jornalismo. O que se quer com esta reflexão vem de encontro com o que França e Corrêa (2012) advogam. Segundo eles, faz sentido pensar que “(…) as transformações tecnológicas no universo midiático contemporâneo, bem como as mudanças nos próprios valores que orientam sua prática, acionam um processo não de liquidação, mas de (re)institucionalização do jornalismo” (p.11).

Aqui, o prefixo (re) não é usado no sentido de reforço ou de retrocesso, mas no sentido de repetição. Resolvemos, portanto, o problema da compreensão do que significa a complexidade da palavra (re)institucionalizar. Com isso, vamos aos exemplos práticos.

As possibilidades de (re)institucionalização do jornalismo permeiam por diversos campos. Podemos observar (re)institucionalizações dos formatos jornalísticos, das práticas, da cobertura jornalística e até da atividade laboral da profissão.

É importante ressaltar que nada do que é observado como (re)institucionalizado elimina antigos formatos ou tem qualquer intenção de ser único.

ACAPA

Na contramão do que vemos hoje institucionalizado, de que um jornal necessita ter capa e conteúdo interno, surge o projeto ACAPA. Mantido por um grupo de oito profissionais com experiência na produção de capas de impressos (Cláudio Duarte, Edgar Gonçalves Jr., Renata Maneschy, Fabrício Cardoso, Nélson Nunes, André Hippertt, Evandro de Assis e Fábio Nienow), o projeto é uma peça gráfica com forte poder de síntese. Cultiva hoje mais de 12 mil seguidores no Facebook e repercute constantemente em segmentos da imprensa, nas universidades e até em jornais institucionalizados tradicionais.

Traz, segundo seu idealizador, o jornalista Edgar Gonçalves, o objetivo de arrancar do leitor uma reação imediata. Em termo de linguagem, estética, no tempo de decodificação, no horário de fechamento e periodicidade ACAPA subverte meios como o jornal, a revista e outros que trabalham com conteúdos extensos.

Em contrapartida, Gonçalves pontua que “há um milhão de características que em pouco ou nada diferem ACAPA do modus operandi no velho e bom jornalismo”. As características pontuadas por ele permeiam desde checagem de informação até princípios éticos do jornalismo de não caluniar nem difamar. Passa também pela formação dos profissionais, que colecionam prêmios nacionais e internacionais na forma clássica de fazer jornalismo. “A própria linguagem, apesar de romper com o tradicional, tem suas raízes e foi toda desenvolvida em redações tradicionais ”, comenta.

Se por um lado Gonçalves afirma que não há uma (re)institucionalização completa, confessa que vê ACAPA como “uma espécie de filha rebelde e irrequieta dos jornais, apesar de se vender como ‘a primeira página que você não vê no jornal que você lê’”.

Isso chama a atenção pois toda inovação está intimamente atrelada a uma paixão, a uma inquietação, sentimentos atribuídos por Gonçalves ao projeto de ACAPA.

Panamá Papers

Quando o fundador do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, entidade responsável pelo mega-vazamento dos Panamá Papers, Charles Lewis, em artigo publicado no The Guardian, define o futuro do jornalismo em três palavras: colaboração, colaboração, colaboração!, é possível entender que o que houve no caso do consórcio foi uma (re)institucionalização da prática jornalística.

Até então os jornalistas integrantes do projeto atuavam para diversos veículos do mundo e eram, de alguma forma, concorrentes. No projeto do Panamá Papers (re)institucionalizou-se que eles passariam a ser “colegas”. Ou seja, uma inovação está intimamente atrelada a uma necessidade.

Profissão

Hoje, é comum que blogueiros, colunistas e até jornalistas especializados não tenham a obrigação de frequentar o ambiente físico de uma redação. O que antes era institucionalizado que todo profissional deveria bater cartão, hoje é um mero detalhe. Observa-se aqui uma (re)institucionalização da prática laboral da profissão, sem que os saberes de reconhecimento, procedimento e narração de uma notícia se perdessem.

Outro fator estreitamente ligado à prática laboral da profissão é a cobertura multimídia. Hoje é possível ser jornalista de rádio, TV e impresso ao mesmo tempo. Aqui destaca-se uma (re)institucionalização do saber.

Jornalista multimídia, Felipe Machado alerta que o jornalismo nunca mais será como antigamente, e temos que estar preparados para isso. “O jornalismo vai se adaptando aos novos tempos, mas só vai sobreviver se encontrar modelos de negócios que mantenham a credibilidade e a qualidade da informação, pilares da profissão”. Ele traz exemplos de novos formatos com: o portal Nexo, que faz um jornalismo mais voltado para a coleta e análise de dados, e a plataforma internacional Vice, que atua com grandes reportagens e documentários.

Durante as Olimpíadas de Pequim, na China, e a Copa do Mundo da África do Sul, Machado, que é um dos fundadores da TV Estadão, projeto do jornal impresso O Estado de S. Paulo, provou dessa inovação. “Fiz vídeos para a TV Estadão, áudios para a rádio Eldourado, posts para meu blog, além de conteúdo para impresso com liberdade para decidir a pauta”, conta. Aqui a inovação surge como meta profissional, afinal todo esse trabalho resultou em dois livros: “Ping Pong – Chinês por um mês” e “Bacana Bacana: as aventuras de um jornalista pela África do Sul”. Ou seja, a inovação está intimamente ligada a um desejo.

(Re)institucionalização como inovação

Qual é o tempo de uma inovação? Por que só a tecnologia é resultado de uma inovação? Uma nova forma de narrar, de fazer jornal ou de exercer a profissão também podem ser consideradas como inovação? Para responder a estas perguntas é preciso saber o que você entende como inovação. É bem provável que aqueles que sentenciam o fim do jornalismo talvez não acreditem que mudanças como as citadas à cima possam se caracterizar como inovação no futuro. É bem possível que eles também não acreditem que insatisfação, subverção, paixão, inquietação, necessidade, desejo e capacidade de prever o futuro sejam combustíveis para a inovação.

A Realidade Virtual é uma deixa. Em seu TED sobre “O futuro das notícias? Realidade Virtual”, a jornalista Nonny de la Peña diz que quando se envolveu com RV apenas queria apresentar uma história da qual as pessoas pudessem se lembrar com o corpo e não apenas com suas mentes. Para isso ela não deixou de seguir os princípios básicos do jornalismo, apenas (re)institucionalizou algumas práticas do fazer jornalístico.

É difícil prever como fica a instituição jornalística diante de tamanha fragmentação, embora a ideia de instituição esteja vinculada à de estabilidade. Mas, a (re)institucionalização de algumas práticas, mesmo não sendo total, pode ser o começo da reinvenção do jornalismo.

Referências

ANDERSON, C. W.; BELL, Emily; SHIRKY, Clay. Jornalismo pós-industrial: adaptação aos novos tempos. Revista de jornalismo da ESPM, São Paulo, Ano 2, n. 5, p. 30-89, abr./jun. 2013.

BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004.

DE LA PEÑA, Nonny. O futuro das notícias? Realidade Virtual. Disponível aqui. Acesso em 21, de outubro, 2016.

FRANÇA, Vera Regina Veiga; CORRÊA, Laura Guimarães. Apresentação. In: FRANÇA, Vera Regina Veiga; CORRÊA, Laura Guimarães (org.). Mídia, instituições e valores. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. P. 7-11.

GUERREIRO NETO, Guilherme. Institucionalização do Jornalismo e movimentos em cenários de crise. Artigo apresentado no Encontro Nacional da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), Brasília, 2013.

Matérias semelhantes

Comentários

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Mais lidas