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Algumas balizas na discussão sobre diploma e filiação de não diplomados ao SJSC

A discussão que estamos fazendo sobre a exigência ou não do diploma de jornalismo foi pautada por uma decisão do Supremo Tribunal Federal a pedido de grandes empresas privadas de comunicação. Essas mesmas empresas, na década de 80 do século passado, em pleno regime militar por elas apoiado, eram mais radicais: propunham o fechamento dos cursos de comunicação, a exemplo do que as demais ditaduras militares latinoamericanas já haviam feito com os cursos de filosofia. Naquela época, foram as mobilizações estudantis que conseguiram impedir a medida. Mas o inimigo não descansa nem se abala por uma derrota e, 30 anos depois consegue quase a mesma coisa, ou seja, acabar com a exigência do diploma, o que, numa primeira mirada pode parecer o fim dos cursos por vias transversas.

Agora estamos a discutir se os sindicatos de jornalistas devem ou não filiar os jornalistas não diplomados que conseguirem registro no Ministério do Trabalho após a decisão do STF. As duas questões devem ser analisadas em separado pois não são a mesma coisa.

Fazer jornalismo requer técnicas, políticas, entendimento do mundo, responsabilidade de formar a opinião pública. Daí a necessidade da formação. A exigência do diploma é uma reivindicação dos jornalistas preocupados legitimamente com a formação teórico-técnica necessária à produção de conteúdos de informação de massa numa sociedade que se diz democrática. Em contrapartida, as empresas de comunicação – que antes de serem “de comunicação”, são grandes empresas – buscam justamente o contrário, ou seja, a possibilidade de recrutar trabalhadores sem capacidade crítica para mais facilmente manipulá-los na construção do discurso da classe dominante, a classe dos capitalistas, da qual fazem parte.

Outra coisa é nossa organização sindical; é saber como vamos nos organizar com ou sem diploma para enfrentar a classe dominante dos patrões, e organização de classe transcende a exigência de um diploma. É o que precisamos fazer para superar a sociedade capitalista. Num certo sentido, o estabelecimento de uma diferença entre jornalistas diplomados e não diplomados pode ser perigoso pois nos coloca numa luta fratricida entre trabalhadores!

Afinal quem é o inimigo? É o trabalhador superexplorado que pratica atividades típicas do jornalismo nas empresas de comunicação ou é o patrão, dono da empresa? Não estamos em um ascenso da luta de classe no qual as pessoas estão fazendo fila nos sindicatos para se filiar. O índice de filiação é baixíssimo em todas as categorias. Nossa grande luta então dever ser buscar mais filiados, para nos fortalecermos e enfrentar quem nos oprime e não fechar as portas dos sindicatos para que ninguém entre, pois dessa forma, em breve nossas entidades correrão o risco de se transformarem em guetos.

A sociedade é capitalista porque a classe dominante é a classe dos capitalistas, Desculpem repetir compusivamente o óbvio mas as propostas que vejo colocadas por gente que se diz revolucionária me faz pensar que o óbvio foi ofuscado pelo discurso de classe dos meios de comunicação. Ou pior, parece que jogaram a toalha. O Estado em que vivemos é capitalista e os três poderes que o compõem, aí estão para sustentar esta situação e reproduzir a ideologia dominante. Nenhuma novidade até aqui. Novidade talvez seja a expectativa ingênua de alguns de que a posição do STF possa mudar, ou que possamos aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional capaz de alterar a situação presente. Há dificuldades (para dizer o menos) políticas abissais. Alguém acredita que os jornalistas, esta categoria completamente desorganizada e incapaz de fazer uma greve séria, possa, pela ação de seus voluntariosos dirigentes nacionais aprovar uma emenda constitucional, que exige quórum de 2/3 dos membros das duas casas do Congresso em dois turnos de votação em cada casa, contrariando os interesses dos grandes grupos de mídia? Não respondo. Mas além disso, há problemas técnico-jurídicos tão grandes quanto os políticos. O STF considerou a exigência do diploma para obtenção de registro profissional, incompatível com o artigo da Constituição que garante a Liberdade de Expressão. A Liberdade de Expressão, é cláusula pétrea e só pode ser alterada por uma Constituínte e não por uma emenda constitucional. Evidentemente, com muita, mas muita mesmo, “vontade política” se poderia superar esta questão no Legislativo, o que, no entanto, a colocaria de volta no STF para a palavra final. Ninguém se iluda que a substituição de Gilmar Mendes na presidência da corte suprema vai mudar alguma coisa. Peluzzo não só votou com Gilmar na questão do Diploma como fez veemente defesa da posição. Ademais, é um legítimo representante da oligarquia paulista.

Portanto, prefiro considerar ingenuidade a crença de uma vitória no tapetão, pois se assim não for, é má fé.

Jogamos a toalha então?

Obviamente não. Mas atacar um inimigo do porte dos grupos de mídia num campo dominado por eles (o Legislativo) com uma categoria incapaz de “parar as máquinas” no chão da fábrica é de uma estupidez angelical.

Tenho a maior admiração pelo povo do Vietnam, aquele pequeno pais asiático do qual ninguém mais fala hoje em dia. Eles foram o único país do mundo cujo povo colocou as tropas do Império estadunidense a correr. E como enfrentaram o maior e melhor exército do mundo, com seus helicópteros Apache superarmados, xodó da indústria bélica e as bombas de napalm? Com uma tática simples: quando o inimigo ataca nos escondemos. Quando ele se descuida, nós atacamos. Quando ele foge, nós o perseguimos. O maior e mais poderoso exército do mundo foi derrotado por um pequeno país que não abriu mão de decidir seu destino até hoje. E usou a tática acertada.

Falo isso porque nosso inimigo de classe se descuidou e a decisão do STF, feita por encomenda dos jornalões (Folha, Estadão, JB e Globo, os mesmos que queriam o fechamento dos cursos em 1980) pode representar um tiro no pé das empresas.

Vejamos. A classe dos donos de empresas passa o tempo inventando fórmulas para anular as conquistas legais dos trabalhadores em nossa luta de resistência. Terceirização, estagiarização, pejotização da mão de obra são alguns exemplos contemporâneos. Mas no jornalismo há muito mais. As transformações tecnológicas abriram novas formas de trabalho para atividades de jornalistas que não estavam previstas objetivamente na regulamentação da profissão elaborada há décadas. A internet transformou-se numa grande e inusitada mídia que invadiu as velhas redações e está acabando com os jornais impressos. Junto com ela, apressaram-se os patrões a inventar novas denominações para atividades típicas de jornalistas. São os “redatores”, “produtores de conteúdos”, “operadores de mídia eletrônica” que, na verdade, são os novos jornalistas, repórteres, produtores de notícias, entrevistadores, nestes tempos de blogosfera, twitter e youtube. Sem falar nos web designers, especialistas em T.I. e outras palavrinhas inventadas pelos consultores de FGV´s da vida para justificar seus faraônicos honorários.

Todos estes profissionais que hoje fazem jornalismo, não são considerados legalmente jornalistas, portanto deixam de ser alcançados pelas convenções coletivas da nossa categoria, tampouco tem direito à prerrogativas da profissão como a jornada de 5 horas. Esses trabalhadores, que já são ampla maioria nas grandes empresas de comunicação, são mais explorados ainda pelos patrões do que os próprios jornalistas. Aqui vai uma indagação. O que achariam os patrões se todos eles pedissem registro de jornalistas ao Ministério do Trabalho e passassem a gozar (filiados ou não) dos benefícios das nossas convenções coletivas? As condições para que isto aconteça estão postas pela decisão do STF. Será que os donos de empresas vão gostar de reduzir a jornada de toda essa gente que pouco a pouco foi substituindo os jornalistas nas redações com salários mais baixos? Será que vão gostar de aumentar-lhes o salário? Será que vão gostar de serem forçados a abrir novas vagas em decorrência da redução de jornada? Nem vou responder. Não seria então o momento de fazermos um bom e temperado omelete destes ovos quebrados e usar em vez de pimenta, o vermelho das lutas dos trabalhadores?

Nossos sindicatos foram criados em uma outra época quando numa redação só haviam jornalistas e fotógrados e os gráficos na outra sala a imprimir os jornais. Podemos seguir na visão corporativista, pequena e presunçosa, de que somos uma elite da comunicação ou avançarmos numa perspectiva de classe tratando de incorporar aos nossos sindicatos todo este contingente de trabalhadores como nós – não são capitalistas, inimigos de classe – repensando nossa organização e avançando para uma organização por ramo. É um momento de escolha.

A opção classista não implica em hipótese alguma abandonarmos a luta pela necessária, democrática e legítima formação científica que deve começar com o combate ao mercantilismo que tomou conta da formação acadêmica. A maioria das faculdades privadas que proliferam em qualquer esquina sem controle ou fiscalização segue apenas as leis de mercado e se subordinam unicamente ao Código do Consumidor: pagou levou. A mercadoria é o diploma. Acho que não é este o diploma que defendemos.

Qual será a raiz do raciocínio corporativista que norteou a decisão do Conselho de Representantes da FENAJ? Talvez tenhamos uma pista na dificuldade de aprovar uma reforma política que mude o sistema eleitoral. Nenhum parlamentar que foi eleito por este sistema tem certeza de que seria eleito por outro. Então é melhor ficar assim. Será por medo de mudanças que a FENAJ e muitos sindicatos reiteradamente se negam a discutir organização? Esta deveria ser a pauta principal do Congresso Nacional dos Jornalistas e não a discussão pequena “se vamos filiar ou não os sem diploma”. Esta é a diferença entre um sindicalismo classista ou uma visão corporativista e ultrapassada de organização. A incapacidade de mobilização da nossa categoria é uma prova de que a organização dos jornalistas como está não está dando certo.

Quando falamos em luta, precisamos deixar de lado a hipocrisia e nos perguntar quando teremos capacidade organizativa para fazer uma greve nacional nos meios de comunicação. Ou isto não está nos planos da FENAJ? Será que nossos colegas de profissão dirigentes sindicais descobriram uma forma nova de luta para trabalhadores numa sociedade capitalista? Será que escrever longos documentos constatando o poder da mídia é a única forma de luta possível para uma organização de classe? Se as direção do nosso movimento sindical não tiverem o enfrentamento no chão da fábrica como objetivo imediato de luta a ser construído, nossas entidades perderão o sentido de sua existência e, de um momento para outro, quando menos esperarem poderão ser atropelados pela História. Ela não morreu.

*Caio Teixeira, jornalista diplomado e membro do Movimento Luta FENAJ, grupo de oposição à atual direção da Federação.

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