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O que resta de 2016 para o jornalismo brasileiro?

Rogério Christofoletti
Professor de Jornalismo na UFSC e pesquisador do objETHOS

É comum dizer que as coisas só começam a funcionar no Brasil depois do Carnaval. Neste ano em particular, a vida andou tão arrastada que foi preciso passar pelo reinado de Momo, por Jogos Olímpicos no Rio, pelo desgastante processo de impeachment de Dilma Rousseff e por eleições municipais. Só agora – às vésperas de novembro –, temos condições de dizer: 2016, finalmente, pode começar!

Com esse ajuste de calendário, restaria uma agenda ao mesmo tempo urgente e permanente. No caso do jornalismo, sobreviver às crises e redefinir seus papeis junto à sociedade são dois compromissos inadiáveis, tão imperiosos quanto complexos. “Crise” foi grafada no plural porque não estamos apenas nos referindo às dificuldades financeiras da indústria do setor, com o encolhimento das verbas publicitárias, o fechamento de postos de trabalho, a queda de tiragens e audiências, e a extinção de marcas e veículos de comunicação. Não se pode perder de vista também que a crise no jornalismo embute questionamentos sobre credibilidade, exclusividade e limites de atuação. Daí a necessidade de estabelecer novas funções para o jornalismo, ou quem sabe revitalizar as velhas…

De maneira inédita, desde junho de 2013, tem ocorrido na sociedade brasileira um acirramento das polarizações políticas. Reivindicações pela melhoria de serviços públicos, críticas à política tradicional e descrença nas instituições pareciam, inicialmente, pontos de tensão esparsos, mas a não superação desses impasses vem revelando uma abrangente colcha de retalhos que a todos cobre, quando não sufoca.

Atordoada como as demais instituições, a mídia tentou ler os sinais enviados das ruas, mas assim como o governo, mostrou-se míope. O resultado imediato é a perda de confiança do público e um consequente rechaço. Por isso também, cada vez mais, se percebe que os meios convencionais não dão mais conta de abastecer de notícias a sociedade. Ganham espaço e relevância os alternativos, que se multiplicam a olhos vistos e que encontram reconhecimento. No Festival Gabriel García Márquez, que premia o jornalismo ibero-americano, veículos não-tradicionais foram os grandes vencedores em 2016.

O jornalismo mainstream se mantém em linha reta, mesmo que isso possa levar ao precipício. Enquanto a sociedade se polarizava diante da ruidosa Operação Lava-Jato, das numerosas denúncias de corrupção e do derretimento do governo Dilma, o jornalismo tradicional trabalhou para acirrar os extremos. Fez vistas grossas para a fragilidade do argumento que serviu de base para afastar a presidente – não está claro ainda se pedaladas fiscais são mesmo crimes de responsabilidade -, combateu e criticou os abusos de poder de forma seletiva – o que deu espaço para a atuação estratégica de Eduardo Cunha – e foi reverente e até pusilânime em relação aos movimentos de Michel Temer para se fixar como primeiro homem da república. O “conjunto da obra” permitiu que setores cada vez mais numerosos e bem definidos da sociedade classificassem a imprensa tradicional como um dos atores que protagonizaram o golpe de estado. Judiciário e Parlamento são seus parceiros nesse processo.

Não está totalmente claro se as empresas jornalísticas aderiram ao golpe por convicção ideológica, conveniência mercadológica, por ambas, ou por reflexo condicionado, dado seu histórico de apoios anteriores a medidas de exceção. O fato é que o noticiário insistente acirrou posições, intensificou a polarização política e não necessariamente contribuiu para uma sociedade brasileira melhor. Ao assumir a presidência definitivamente, Michel Temer disse ser necessário unir e pacificar o país, lançando aos quatro ventos que vivíamos uma guerra civil ideológica. Os poucos meses que nos separam da promessa mostram que nem o governo nem o jornalismo conseguirão aplacar os ânimos nacionais.

Temer empreende um acelerado processo de desmonte da EBC, fortalece os laços com os conglomerados de mídia e se distancia cada vez mais da plataforma eleitoral que o elegeu na chapa de Dilma. Por sua vez, a mídia convencional insiste na criminalização dos movimentos sociais, na perseguição a manifestantes e àqueles que protestam contra as ações do governo. O comentarista da Rede Globo e da Rádio Estadão, Alexandre Garcia, chegou a “sugerir” que estudantes secundaristas que ocupam escolas pelo país contra a reforma do ensino médio façam redações para justificar suas atitudes. O posicionamento francamente discriminatório e abertamente adesista ao governo contrasta com a complexidade do problema, conforme expôs o jornalista João Filho no The Intercept Brasil.

Na Folha de S.Paulo, o ministro do Supremo Tribunal Eleitoral, Gilmar Mendes, disse que as ocupações nas escolas “encareceram” as eleições em Santa Catarina e Curitiba, declaração que mais uma vez se utiliza de argumentos financeiros pretensamente responsáveis para discriminar e perseguir ações políticas aceitáveis e esperadas em regimes democráticos.

Pode parecer utópico e inocente esperar que se conte no Brasil com uma mídia que distensione, que atue para desmarcar bombas e não montá-las. Em outros países, é possível observar uma mídia para a paz, que envida esforços para a promoção do entendimento e de um bem comum. Na Colômbia, por exemplo, uma parcela grande do jornalismo convencional transcendeu os interesses imediatos de um governo de ocasião ou outro. Reduzir a violência endêmica e aproximar contrários para uma coalizão nacional passou a ser um interesse maior que as conveniências imediatas de um grupo ou outro.

No caso do Brasil, Michel Temer quer pacificar para poder governar com mais tranquilidade. O jornalismo nacional ainda joga fichas no conflito, nas rusgas e no desacerto. Estabelecer novos pontos de contato com o público consumidor de notícias poderia refrescar as relações com a sociedade e redimensionar os papeis sociais da mídia. Horizontalizar o diálogo com as audiências, ir além do senso comum e não se seduzir com os acenos do governo tornariam veículos e jornalistas mais livres para operar. Seria mais ou menos algo como o jornalismo fazendo… jornalismo! Mas quem aí está disposto a assumir novos compromissos para este ano?

O dramático nessa situação toda é que, se existe essa agenda e se 2016 pode finalmente começar, logo-logo estaremos a desligar os motores. Isso costuma acontecer na metade de dezembro, quando estamos de olho nas festas de final de ano. Se repetirmos o comportamento, estaremos mais uma vez desperdiçando tempo, energia e a oportunidade de restabelecer um jornalismo ético, responsável e melhor.

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