O Sindicato dos Servidores do Judiciário do Estado de Santa Catarina (Sinjusc) passou a sistematizar, em 2002, uma pesquisa sobre a saúde dos trabalhadores no Poder Judiciário. A trajetória de uma categoria foi sendo narrada através de depoimentos levantados em cada trabalho de campo. O projeto foi batizado de “Trabalho e Saúde dos Servidores do Judiciário de Santa Catarina”, promovido pelo Sinjusc.
A ideia inicial era dar visibilidade ao que ocorria dentro dos ambientes de trabalho e de que forma as pessoas adoeciam ou adquiriam problemas crônicos, sejam psíquicos ou físicos. As respostas às centenas de questionários mostraram um cenário de autoritarismo institucionalizado que foi adquirindo uma morbidez sem precedentes.
Essa revelação do Judiciário catarinense de um novo ponto de vista, a visão a partir de seu trabalho cotidiano nem sempre visível, das angústias que circulam nos corredores dos fóruns e tribunais, paralelas às dos que buscam os serviços judiciários, transformou-se em dois volumes de uma obra intitulada “Os Operários do Direito”. De autoria do médico e doutor em saúde pública Herval Pina Ribeiro, a obra apresenta as relações de trabalho e as implicações causadas na saúde de cada indivíduo
Segundo o próprio organizador da pesquisa e depois do livro, as ações propostas pelos trabalhadores no decorrer dessas pesquisas não estiveram voltadas para quantificar as doenças por função ou tarefas com a visão finalista de programar intervenções. Em suas páginas, o autor traz relatos vivos, histórias pessoais comoventes, e os dilemas e contradições de uma estrutura de poder hermética e verticalizada diante da tarefa de distribuir justiça aos cidadãos.
As pesquisas ajudaram a acumular conhecimentos e a formulação de propostas e ações conduzidas pelo Sinjusc. Daí iniciaram processos transformadores entre os próprios trabalhadores do Poder Judiciário catarinense, só que difíceis e lentos, pois muitos ainda sentem-se desconfortáveis em assumir que fazem parte da classe trabalhadora. Fazer valer a cidadania é um processo moroso e a pesquisa mostrou justamente isso, que muitos ainda identificam-se com valores e ideologia da classe dominante.
Setor de Serviços – As mudanças na forma de produção e trabalho, abalaram os conceitos de profissão, categoria ocupacional e classes sociais. Os trabalhadores do setor de serviços têm merecido pouca atenção dos estudiosos em ciências políticas e sociais, e aí incluem-se os trabalhadores públicos. Por não pertencer ao sistema produtivo industrial, a produção de serviços públicos não costuma gerar acidentes e doenças tipificadas como as do trabalho, ou seja, não são notificados à Previdência Social como tal. A terceirização mudou um pouco isso, basta ver o crescente número de casos de Lesões por Esforços Repetitivos (LER) notificadas como doenças do trabalho.
No caso específico da pesquisa promovida pelo Sinjusc, a LER aparece em primeiro lugar ou problemas relacionados ao Sistema Osteomuscular e do Tecido Conjuntivo. O segundo grupo corresponde aos transtornos mentais, comportamentais e do sistema nervoso. Outros sintomas foram relatados e nestes casos a grande maioria eram pessoas que não queriam saber da doença ou eram mal informados sobre ela.
Depoimentos – A pesquisa provocou respostas surpreendentes e depoimentos de trabalhadores que se sentem oprimidos. Um oficial de justiça, por exemplo, revela seus riscos no trabalho de rua e suas angústias ao despejar uma família numa ação de reintegração de posse ou entregar um mandado de prisão a um desempregado que não pagou pensão. São vários relatos que entrelaçados constróem uma história e deixam transparecer as entranhas do Poder Judiciário.
Lançamento em Florianópolis – O livro teve seu primeiro lançamento nos dias 30 e 31 de julho em Chapecó (SC). Agora será a vez de Florianópolis, onde vão ocorrer também dois eventos: uma noite de autógrafos na quinta-feira e um debate na sexta-feira com a presença do autor e de outros pesquisadores da área: o ex-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Rodrigo Collaço, que fez a apresentação da obra e do jornalista Altamiro Borges..
Dia 27, quinta-feira, Noite de Autógrafos, a partir das 19h, no Palácio Cruz e Sousa Centro, Florianópolis (Rua Tenente Silveira).
Dia 28, sexta-feira, Aula Magna da Escola do Sinjusc, às 17h, no auditório do Tribunal Pleno, Centro, Florianópolis (Rua Álvaro Millen da Silveira, 208).
Sobre a obra – O livro “Os Operários do Direito” traz à tona dezenas de histórias vividas por trabalhadores do Poder Judiciário, seus sofrimentos pessoais e o adoecimento que resulta das práticas no dia-a-dia. Como afirma o autor, o livro trata das relações sociais e a morbidez do trabalho contemporâneo nos servidores públicos do Judiciário. “O caráter público deste livro é mostrar como os trabalhadores sofrem com a aplicação da Justiça, como ocorre o processo de trabalho e como os servidores internalizam as questões. Não queremos discutir se a Justiça está lenta, certa ou errada, mas como os servidores, indispensáveis ao Poder Judiciário, se relacionam com as práticas”, diz Herval.
ESCOLA DO SINJUSC – A edição do livro marca também o início da Escola do Sinjusc. O debate sobre o livro “Operários do Direito”, que contará com a presença do autor e de convidados de peso, marcará a Aula Magna desta nova escola, resultado de um projeto desenvolvido pelo Sindicato. O projeto “Fazendo Escola” propõe criar uma visão ampla sobre o trabalho e o trabalhador. “Através da Escola do Sinjusc, pretendemos desenvolver um trabalho sindical que apresente novas formas de atuar socialmente, construindo um novo mundo a partir de consensos estudados e que melhorem a qualidade de vida do trabalhador”, resume o presidente do Sindicato, Alessandro J. Pickcius.
O autor do livro – Herval Pina Ribeiro possui graduação em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (1956), especialização em Pediatria pela Universidade Federal da Bahia (1964), especialização em Pneumologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (1970), especialização em Administração Hospitalar pela Universidade de São Paulo (1992) e doutorado em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (1997). Atualmente é docente e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo. Tem experiência na área de Saúde Coletiva. Atuando principalmente nos seguintes temas: Saúde e trabalho, Lesões por esforços repetitivos, Violência do Trabalho.
Texto: Sara Caprario – Letra Editorial.
Foto: Luis Prates –
Congresso Estadual dos Jornalistas, Blumenau, junho 2009.