Celso Augusto Schröder (*)
Primeiro um alerta necessário, desconfiem daqueles que, para atacar ou defender, constroem um muro atrás do qual colocam jornalistas, empresários de comunicação, agências de publicidade e blogues, entre outros, como se tudo isso fosse algo único: “mídia”, ou mais simplesmente “imprensa”.
Para tentar esclarecer, jornalistas são os trabalhadores que produzem o jornalismo, normalmente submetidos a situações absurdas de pressão e interesses. Quase sempre interesses internos às organizações, os donos, os amigos dos donos, os anunciantes, etc, etc.
Empresários de comunicação são aqueles que fazem disto um negócio. Legitimo até que entrem neste negócio interesses alheios ou estranhos às regras comerciais. Agências de propaganda são empresas que fazem a intermediação da publicidade no meio do jornalismo. No atual modelo são muito importantes para os financiamentos do sistema, mas também estão implicadas em quase todos os escândalos políticos dos últimos anos. Os amigos do dono… bem, são os amigos do dono.
Digo isso para tentar dialogar com o profícuo artigo de Eugênio Bucci, publicado no Estado de São Paulo em 26 de dezembro e, surpreendentemente, republicado ontem em ZH.
A tese do Eugênio Bucci é simples, embora o artigo seja longo: o PT está armando uma conspiração contra a “imprensa” nacional. Porque? Porque não tem o que fazer. Perdeu sua estratégia, está sem rumo e, pior, demonstra um viés autoritário.
Ok, Bucci tem todo o direito de achar o que quiser do PT – que aliás o convidou, e ele aceitou, para presidir a EBC na sua fase inicial – inclusive de ser autoritário. O que me parece problemático são os argumentos construídos que misturam alhos com bugalhos, jornalistas com empresários, verdades com meias verdades e o pior, deixa de fora o essencial. Além disso o artigo ignora que a maior crítica neste ano que passou não veio do PT. Foram os movimentos de junho que concretizaram estas críticas, muitas vezes exagerando no tom. Jogar excrementos nas portas das grandes redes nacionais esteve para lá do simbólico.
Mas Bucci tem razão em muitas coisas, o papel histórico da Imprensa, agora sem aspas, é efetivamente de fiscalizar o poder (foi assim que ela ajudou a construir a esfera pública democrática), mas esqueceu de dizer que o foco da atenção desta imprensa deve ser todos os poderes. O econômico por exemplo, ou o judiciário, ou ainda o executivo de todos os tempos e de todos os níveis. Não parece razoável uma “imprensa”, agora aspeada, que escolha poderes para fiscalizar. Não me lembro de algum artigo, nem mesmo do Bucci, que cobrasse empenho de fiscalização de governos anteriores aos petistas, ou um olhar mais arguto sobre governos estaduais ou municipais sob a batuta da chamada oposição.
Por falar nisso, foi a ex-presidente da Associação Nacional dos Jornais, ANJ, Maria Judith Brito, quem diligentemente reivindicou para as empresas jornalísticas o papel de oposição política, portanto partidária, me parece, já que não via nenhum partido com capacidade de fazer o necessário contraponto no jogo dos poderes. Nem vou me demorar sobre a ignominiosa bajulação mútua entre o STF – Barbosa e Gilmar Mendes principalmente – e a chamada grande “imprensa” ou a quase ausência de investigação sobre empresas ou empresários privados.
Eugênio Bucci tem um raciocínio sofisticado. Afirma que a imprensa brasileira não é golpista como a venezuelana, embora seja ” preponderantemente de direita e, muitas vezes, apresenta falhas de caráter, alguns inomináveis”. Ou seja, ela por não ser golpista, embora com todos estes defeitos, não pode ser criticada.
Na verdade o argumento tem um outro objetivo além de atacar o PT ou mesmo defender a “imprensa” da crítica petista. O objetivo, não explicitado, é uma espécie de vacina anual, ou de início de ano, contra a necessária regulamentação que o país precisa imprimir ao seu sistema de comunicação. Faz parte do arsenal inesgotável de ações que garantam que estas empresas, diferentemente de todos os outros setores da vida brasileira, esteja acima e à margem da lei.
A imprensa, sem aspas, para ser amada deve simplesmente cumprir o seu papel social. Abdicar, verdadeiramente, de defender a si mesma ou partes da sociedade. Garantir que o jornalismo produzido nestas empresas seja efetivamente feito por jornalistas comprometidos com o interesse público, livres das pressões salariais e de condições de trabalho humilhantes e inaceitáveis. Deve filtrar os interesses oriundos de seus anunciantes e de agências inescrupulosas. Não sucumbir às fórmulas fáceis e simplórias para gerir o seu negócio que inviabilizem o jornalismo bem feito, nem abrir mão da produção cultural qualificada e diversificada. Para ser amada basta a “imprensa” ser imprensa.
(*) Professor da Famecos/PUCRS, Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas e da Federação de Jornalistas da América Latina e Caribe, Vice Presidente da Federação Internacional dos Jornalistas e Membro do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional