Desde o início do século passado, os jornalistas brasileiros, com o apoio da sociedade, lutam pela exigência da formação universitária específica em Jornalismo como principal requisito para o exercício da profissão. Isto principalmente por considerarem que a obrigatoriedade do diploma para a obtenção do registro profissional constitui um dos instrumentos para a construção e defesa de um Jornalismo independente, responsável e democrático. Um Jornalismo exercido com ética e efetivamente voltado a atender ao interesse público e ao direito da sociedade de receber informação qualificada e plural.
No século 20, especialmente na sua segunda metade, no Brasil, nos Estados Unidos, em países europeus e em muitos outros, reconheceu-se no Jornalismo um ethos profissional. Validou-se, socialmente, um modo de ser profissional que tenta afastar a picaretagem e o amadorismo. Enfim, validou-se uma profissão – a de jornalista – que carrega como uma das suas principais e mais importantes características a vinculação da atividade ao interesse público e plural. Com isso, a profissão deixou de ser um bico, ocupada por apadrinhados indicados pelos patrões.
Aqui no Brasil, foi em 1969 que a legislação que regulamenta a profissão incluiu a necessidade da formação superior para se atuar no Jornalismo. Exatos 40 anos depois, em 17 de junho de 2009, o Supremo Tribunal Federal derrubou esta exigência, provocando o retrocesso àquele tempo obscuro em que não existia democracia no acesso à profissão, em que os critérios para a prática profissional dependiam bastante de relações de apadrinhamentos e interesses outros que não o do real compromisso com a função social da mídia.
A decisão que resultou em mais um golpe contra o Jornalismo e a profissão de jornalista – e portanto, também contra a população no seu direito de informar adequada e responsavelmente – foi do STF. Mas por trás ou na linha de frente de constantes ataques que a regulamentação e o exercício da profissão sofrem historicamente sempre estão os chamados “donos da mídia”, as grandes empresas de comunicação. Seus objetivos: desqualificar a profissão, precarizar relações de trabalho, ampliar arrocho salarial, ser “donos” da informação, das liberdades de expressão e de imprensa. Só o ingênuo ou mal intencionado não vê que a desregulamentação da profissão de jornalista, com o fim da obrigatoriedade do diploma, tem este objetivo.
Hoje, qualquer pessoa pode exercer o Jornalismo, mesmo sem condições técnicas, teóricas e éticas. E quem decide quem pode ou não ser jornalista são somente os patrões. Por isso, defender o Jornalismo como prática profissional exclusiva de jornalistas formados está longe de ser uma questão única e meramente corporativa. Trata-se, acima de tudo, de atender à exigência da sociedade, cada vez maior na contemporaneidade, de que os profissionais da comunicação tenham uma formação de alto nível.
O ofício de levar informação à população já existe há quatro séculos. Ao longo deste tempo foi-se construindo a profissão de jornalista que, por ter tamanha responsabilidade, à medida que se desenvolveu o ofício, adquiriu uma função social cada vez mais fundamental para os cidadãos. E para dar conta do seu papel, nestes quatro séculos, o Jornalismo se transformou e precisou desenvolver habilidades técnicas e teóricas complexas e específicas, além de exigir, também sempre mais, um exercício baseado em preceitos éticos e que expresse a diversidade de opiniões e pensamentos da sociedade.
Por isso, a formação superior específica para o exercício do Jornalismo há muito é uma necessidade defendida não só pela categoria dos jornalistas. A própria sociedade já se deu conta da importância desta exigência. Por diversas vezes, já deixou bem claro que quer jornalista com diploma. Por exemplo, em 2008, pesquisa do Instituto Sensus, realizada em todo o país, mostrou que 74,3 % dos brasileiros são a favor da exigência do diploma de Jornalismo. E a população tem reafirmado diariamente esta sua posição, sempre que reclama por mais qualidade e democracia no Jornalismo.
A Constituição, ao garantir a liberdade de informação jornalística e do exercício das
profissões, reserva à lei dispor sobre a qualificação profissional. A regulamentação das
profissões é bastante salutar em qualquer área do conhecimento humano. É meio legítimo de defesa corporativa, mas sobretudo certificação social de qualidade e segurança ao cidadão. Impor aos profissionais do Jornalismo a satisfação de requisitos mínimos, indispensáveis ao bom desempenho do ofício, longe de ameaçar à liberdade de Imprensa, é um dos meios pelos quais, no estado democrático de direito, se garante à população qualidade na informação prestada – base para a visibilidade pública dos fatos, debates, versões e opiniões contemporâneas.
A existência de uma Imprensa livre, comprometida com os valores éticos e os princípios
fundamentais da cidadania, portanto cumpridora da função social do Jornalismo de atender ao interesse público, depende também de uma prática profissional responsável. A melhor forma, a mais democrática, de se preparar jornalistas capazes a desenvolver tal prática é através de um curso superior de graduação em Jornalismo.
A volta da exigência de formação de nível superior específica para o exercício da profissão, portanto, representa um avanço no difícil equilíbrio entre interesses privados e o direito da sociedade à informação livre, plural e democrática. Entendendo a necessidade imperiosa deste equilíbrio e atendendo aos anseios da população e dos jornalistas, imediatamente após a decisão do STF, ainda em 2009, a Câmara Federal e o Senado iniciaram a tramitação das chamadas PECs do diploma de jornalista, propondo a volta da exigência da formação superior específica para o exercício do Jornalismo. Desta forma, o parlamento brasileiro respondeu adequadamente, sintonizado com a opinião pública, a um processo de judicialização da vida nacional, com caráter nitidamente conservador.
A PEC 33/2009, de autoria do senador Antônio Carlos Valadares e relatoria do senador
Inácio Arruda, e a PEC 386/2009, de autoria do deputado Paulo Pimenta e relatoria do
deputado Maurício Rands, por um lado resgatam a dignidade dos jornalistas brasileiros e
contribuem para a garantia do jornalismo de qualidade. Por outro lado, as PECs estabelecem o local adequado para a discussão extemporânea, promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que, a serviço das grandes empresas de comunicação do país, prestou um desserviço à sociedade brasileira ao desregulamentar a profissão de jornalista.
Nós, jornalistas, com apoio dos cidadãos que entendem a importância do Jornalismo exercido com responsabilidade, democracia, capacitação qualificada e ética, apostamos na independência e na vocação democrática do parlamento para reverter esta decisão nitidamente obscurantista do STF. Sabemos que esta decisão teve como único objetivo atingir a profissão de jornalista e a sua capacidade de expressar a liberdade de expressão prevista na Constituição Brasileira. Estamos em campanha pela votação imediata das emendas, tanto no Senado quanto na Câmara. Milhares de cidadãos brasileiros já assinaram o abaixo assinado que reivindica a aprovação da PECs, em http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2011N8603 No site da FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas, também se encontram os contatos de todos senadores e deputados federais para o envio de mensagens de apoio às PECs.
Somos mais de 60 mil jornalistas em todo o país. Milhares de profissionais que somente por meio da formação, da regulamentação, da valorização do seu trabalho, conseguirão garantir dignidade para sua profissão, e qualidade, interesse público, responsabilidade e ética para o Jornalismo praticado hoje no Brasil.
E não apenas a categoria dos jornalistas, mas toda a Nação continuará perdendo se o poder de decidir quem pode ou não exercer a profissão no país permanecer exclusivamente nas mãos de interesses privados e motivações particulares. Os jornalistas e a sociedade esperam que o parlamento imediatamente restabeleça a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista no Brasil. Para o bem do Jornalismo e da própria democracia.
Autor:Valci Zuculoto e Sérgio Murillo de Andrade – Valci Zuculoto é jornalista e professora de Jornalismo da UFSC Vice Presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina – SJSC Diretora da FENAJ e Sérgio Murillo de Andrade é jornalista, ex-Presidente e atual diretor da FENAJ e do SJSC