Era quarta-feira, 17 de junho de 2009. Por oito votos a um, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que o diploma de jornalismo não era obrigatório para exercer a profissão. À época, os responsáveis pela decisão que derrubou a obrigatoriedade foram: o relator – e então presidente da corte – Gilmar Mendes e os ministros Carmem Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Celso de Mello. Marco Aurélio Mello foi o único a votar contra o recurso, levando em conta que faltaram à sessão Joaquim Barbosa e Carlos Alberto Menezes. Quase sete anos depois, quais são as novidades sobre o caso? A volta da obrigatoriedade virou lenda? Quais são as expectativas para a votação? Como a crise política influencia a movimentação? Foi para responder essas e outras questões que a reportagem do Portal Comunique-se conversou com o senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), autor da Proposta de Emenda à Constituição 206/2012, que restabelece a exigência da formação superior para o exercício da profissão de jornalista, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), responsável pela PEC 386/09, e com o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder. Na conversa, eles explicam os esforços feitos para reverter a situação e comentam os efeitos negativos da decisão.
A volta do diploma: lenda?
Aprovada em 2012 no Senado, a PEC 33/2009 está há quase quatro anos na pauta da Câmara. A demora neste processo é vista como negativa por Valadares. Para ele, a lentidão prejudica o profissional do jornalismo, que com essa “não obrigatoriedade” restabelecida concorre de forma desleal com quem não tem a formação.
A visão não é compartilhada por Pimenta, que acrescenta ao dizer que a proposta precisava estar pronta para ser apreciada e era necessário ter a garantia de alcançar os votos para a aprovação (308 no total). “É um quórum elevado. Portanto, de nada adiantaria termos nos antecipado para colocar essa proposta em votação sem que tivéssemos os votos necessários. Essa nossa leitura é compartilhada pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Hoje, sim, já temos um ambiente aqui dentro da Câmara mais favorável à aprovação da PEC”.
A questão de conquistar votos suficientes é mencionada por Schröder. O presidente da entidade lembra que, geralmente, as PECs são demoradas e que esta, em especial, tem particularidades que agravam o cenário. “Imaginávamos que demoraria, mas a PEC ficou menos de cinco anos no Senado, o que foi uma surpresa boa pela rapidez. Já tivemos ambiente favorável para a votação, com apoio expressivo e, no entanto, o país acabou entrando nessa confusão política. Foi azar. O momento pede calma para que as coisas melhorem para colocar em votação”. Enquanto isso, ele informa que a Fenaj tem feito levantamentos das bancadas e partidos para garantir que a movimentação na Câmara seja similar a do Senado.
Por ora, os entrevistados afirmam que a única coisa a fazer é manter o diálogo, já que não é possível interferir no processo. Mobilizações sobre o tema, palestras, debates para conscientizar a população brasileira, sensibilizar parlamentares e esforços contínuos para manter o debate em pauta são as ações colocadas em prática, sendo a Fenaj um importante elemento deste processo. “É um trabalho árduo, cansativo e que precisa ser renovado com periodicidade. Estamos argumentando, pois, se não fizermos isso, o senso comum acaba produzindo discurso contrário”, complementa Schröder.
Crise política: como o cenário brasileiro afeta o processo?
Tem que ser otimista. Essa é a visão dos entrevistados, mas, se deixar isso de lado, a verdade é que a votação da obrigatoriedade do diploma sofreu e ainda vai sofrer com o atual momento político do país. De acordo com eles, a pauta, provavelmente, não será debatida neste ano
“Declarei meu apoio e solicitei audiência com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que garantiu que a proposta seria apreciada. Mas, foram pautadas outras matérias e a Câmara dos Deputados debateu, também, temas muito importantes, como a votação do aumento do Judiciário, a Terceirização, além do clima político que culminou na abertura do processo de impeachment. Pelo cenário atual, com outras prioridades, acredito que a pauta não será debatida”, diz Valadares. O parlamentar acredita que, depois da crise política, a proposta logo será aprovada. Pimenta afirma que trabalha com a informação e com o compromisso da atual presidência da Câmara com a Fenaj, que é colocar a PEC em votação ainda em 2016.
O presidente da federação até acredita que possa mesmo ser votada neste ano, mas desde que isso aconteça ainda neste semestre. “Sou otimista por natureza, mas não enlouquecido. A tensão que o país passa parece que vai continuar e isso complica a nossa situação. Se não acontecer até o final do semestre, acho muito difícil que a gente consiga algo, pois a agenda muda”.
Os três entrevistados concordam que, se a pauta fosse votada hoje, o plenário da Câmara aprovaria a proposta. “Temos os votos necessários para aprovação dessa matéria. E aqui, mais uma vez, faço referência ao trabalho da Fenaj junto aos parlamentares. Diria até que são poucos deputados que estão contra a PEC dos Jornalistas. De todos os partidos da Casa, pelo relato que temos, apenas o PSDB tem se posicionado contrário à aprovação da proposta que prevê a necessidade do diploma de jornalista para exercício da profissão”, acrescenta Pimenta.
Prejuízos para a profissão: 6 anos sem a obrigatoriedade do diploma
A profissão de jornalista exige estudo científico e não pode sofrer precarização. É isso que o senador Valadares, o deputado Pimenta e o presidente da Fenaj argumentam. Ao longo desses anos, alguns prejuízos após a queda do diploma podem ser observados, afirma o trio.
“Entre os efeitos da decisão está, é claro, a precarização da profissão do jornalista. As empresas buscam subterfúgios para não reconhecer e não respeitar as conquistas que a categoria conseguiu ao longo de muitos anos”, reforça Pimenta. No final, quem perde com a situação é a qualidade da comunicação no Brasil. Essa é a visão do senador do PSB, que diz não concordar que um jornalista seja substituído por alguém que não tenha sua formação.
Há mais de 30 anos na vida acadêmica como professor da PUC-RS, o presidente da Fenaj amplia o debate e afirma que tirar o protagonismo de fazer o jornalismo dos jornalistas é dizer que este profissional é descartável – seria um emprego e não uma profissão. “As pessoas que estudam jornalismo sabem que a área não é promissora, ninguém entra nesta faculdade pensando em enriquecer. Porém, por outro lado, existe aceitação social e a sensação de pertencimento ao mundo de alguma maneira. Desprestigiar a profissão incide nisso e começa a minar a sociedade. O que era importante deixa de ser. Ou seja, certamente não é um lugar em que as pessoas vão dedicar aprendizado e as universidades começam a entrar em crise”. Enquanto não acontece a votação, os políticos, ao lado da Fenaj, garantem que seguem multiplicando esforços para que a questão não seja esquecida.