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Jornais estrangeiros vieram à Olimpíada para confirmar teses prontas

Evandro de Assis
Mestrando em Jornalismo no POSJOR e pesquisador do objETHOS

Encerrados os primeiros Jogos Olímpicos da América do Sul, é tempo de avaliações. Nas próximas semanas, meses e anos descobriremos que legado deixou a Rio 2016 – para o esporte, para o Rio de Janeiro e para o Brasil. Do ponto de vista jornalístico também há enorme material a ser analisado e discutido, produção de milhares de repórteres e editores que vieram dos cinco continentes.

Num exercício proposto no primeiro semestre deste ano, estudantes da terceira fase do curso de Jornalismo da Universidade Regional de Blumenau (FURB) observaram a cobertura pré-jogos de cinco publicações digitais estrangeiras. Alguns dos dados colhidos dão ideia do humor da imprensa internacional e permitem comparações com as abordagens feitas durante e, a partir de hoje, depois das competições.

Para efeitos da análise a seguir consideraremos três das publicações acompanhadas pelos alunos – The New York Times (EUA), The Guardian (Reino Unido) e El País (Espanha) –, todas com pretensões de atingir e influenciar um público global.

De 1º de abril a 30 de maio, 230 reportagens sobre a Rio 2016 apareceram nos três veículos online – quase quatro por dia. Destas, 160 tratam exclusivamente da disputa esportiva em si (apresentam atletas, analisam as chances de medalhas ou recordam histórias do esporte) ou se referem a questões internas dos países em que estão sediados os jornais. Atenho-me às 70 produções editoriais que tratam dos jogos numa perspectiva que envolve diretamente o Brasil e a organização da Olimpíada.

  • 37 destas reportagens abordavam os jogos de maneira “negativa” ou “muito negativa”
  • 29 delas apresentavam equilíbrio entre fatores positivos e negativos relacionados à Olimpíada e ao Brasil
  • Quatro ofereciam uma visão majoritariamente positiva, enquanto nenhuma foi classificada pelos estudantes com tendo viés “muito positivo”

Predominam quatro razões para o pessimismo dos jornalistas espanhóis, britânicos e norte-americanos: a disseminação do zika vírus em cidades brasileiras, a violência urbana no Rio de Janeiro, a poluição das águas cariocas e a crise político-econômica nacional. Agora, ainda sob o calor dos acontecimentos, percebe-se na cobertura dos últimos 20 dias que os jornalistas internacionais procuraram comprovar teses pré-fabricadas sobre o Brasil. Quando isso não foi possível, as pautas foram esquecidas olimpicamente.

Zika vírus

Depois de “Olympics” (e suas variações) e “Rio”, a palavra mais repetida nos 70 títulos analisados entre abril e maio é “zika”, com 20 menções. “Zika vírus faz da Olimpíada do Rio uma ameaça ao Brasil e ao exterior, dizem especialistas em saúde”, sentenciou o Guardian em maio. “Especialistas sugerem adiar ou retirar do Rio a Olimpíada devido ao zika”, mancheteou o site do New York Times.

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Dias mais tarde o próprio jornal britânico publicou editorial que criticava o pessimismo generalizado sobre os jogos: “O maior problema associado ao zika é mais sobre ignorância e comunicação ruim do que com o vírus em si”. O jornal lembrava que, em agosto, durante o inverno brasileiro, delegações e turistas estariam livres do mosquito aedes aegypti. Mas ignorava que ele próprio contribuía para o clima tenso que afugentaria turistas.

Ao longo do último verão, em período anterior ao da pesquisa, veículos internacionais, especialmente norte-americanos, trataram o vírus como a mais grave ameaça à Rio 2016. Nada muito diferente da cobertura observada por veículos e agências internacionais sobre o ebola e a gripe H1N1: muito alarde e pouca informação.

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Durante os Jogos Olímpicos, a doença que poderia impedir a realização do evento voltou a ser notícia com frequência no New York Times, no Guardian e no El Pais. Nenhum dos textos encontrados no sistema de busca dos jornais, entretanto, diz respeito ao Brasil, mas a Porto Rico, Colômbia, Espanha e Flórida, territórios que, em pleno verão, vêm registrando casos. Quanto ao Rio, não houve repórter que encontrasse um pernilongo, nem texto que mencionasse o absurdo da cobertura feita meses antes – com exceção a ser mencionada adiante.

Poluição

O New York Times foi o mais enfático na abordagem dos parcos avanços demonstrados pelo Rio de Janeiro na despoluição das águas que banham a cidade. Na esteira de uma reportagem publicada em agosto de 2015 que mostrava uma mistura de lixo e esgoto em locais onde supostamente os velejadores disputariam provas, o jornal norte-americano resgata o tema seguidamente entre abril e maio. O El Pais apresentou perfil do brasileiro Mario Moscatelli, “O biólogo que destapa as latrinas do Rio” e denuncia “a morte das lagoas em torno do Parque Olímpico”.

Uma semana antes dos jogos o NYT aconselhava nadadores da maratona aquática a manterem a boca fechada para não engolirem esgoto. A publicação misturava índices de poluição e imagens da Baía de Guanabara, onde ocorreriam as disputas da vela, com a Praia de Copacabana, local em que os nadadores competiriam. Ao longo das disputas o jornal não retornou ao assunto, talvez porque não encontrasse relatos a corroborar com a terrível expectativa.

Violência

“Aos atletas espanhóis preocupa mais o zika e, sobretudo, as notícias de caos e violência que chegam do Brasil”, relatou o El Pais no fim de maio, repercutindo a possibilidade do astro do basquete Pau Gasol não vir ao Rio. Quando faltavam 100 dias para os jogos o jornal ironizava em título: “Tiro na favela: esporte olímpico na Rio 2016?”. Guardian e New York Times abordaram a questão com menor destaque, mencionando-a sempre entre séries de problemas que a Olimpíada enfrentaria.

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Durante os jogos, se poluição e zika vírus sumiram do noticiário, o mesmo não ocorreu com a violência. Assaltos a membros de delegações estrangeiras, o assassinato de um policial numa favela e a morte de um técnico alemão de canoagem num acidente de trânsito foram abordados como exemplos de uma cidade que maquiou seu cotidiano para receber os convidados. O New York Times titulou que “O Rio nunca se sentiu tão seguro. Mas o que acontecerá quando os jogos acabarem?”.

A insegurança ganhou destaque maior ainda com o falso assalto denunciado por nadadores americanos para encobrir uma confusão na madrugada carioca. El Pais, The Guardian e The New York Times reproduziram as alegações dos nadadores em títulos bombásticos, ainda que inicialmente tenham ouvido relatos de fontes secundárias. Não que a imprensa brasileira tenha se comportado de maneira diferente, aliás.

Até que o assunto fosse esclarecido pela polícia passaram-se quatro dias de manchetes dentro e fora do país transformando a violência no principal assunto da cobertura – depois do esporte em si.

Crise

À medida em que o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff avançava, entre abril e maio, e as condições da economia se deterioravam os três jornais internacionais pesquisados elevavam as preocupações sobre impactos à Olimpíada. Em quase todos os textos de abordagem geral sobre os jogos há um parágrafo de contextualização que menciona a divisão política do país e a recessão. Em abril, o Guardian deixou no ar seis questões sobre a organização dos jogos, a primeira delas tem relação com o “tumulto político”. O El Pais, por sua vez, chamou 2016 de “annus horribilis” para os brasileiros: “A quatro meses dos jogos não se sabe quem será o presidente que fará o discurso inaugural.

A crise econômica do estado do Rio de Janeiro, que levou a protestos de estudantes, policiais e à ameaça de fechamento de hospitais, também foi mencionada como sinal de que os brasileiros escolheram o pior momento possível para serem anfitriões de um encontro planetário.

Apesar de soar o mais pessimista dos três jornais quanto às possibilidades de sucesso do Brasil, o NYT lembrou que não seria a primeira vez de um país em crise recebendo os Jogos Olímpicos, citando casos como o de Sochi 2014 (Rússia), Seul 1988 (Coréia do Sul) e Londres 1948 (Reino Unido), entre outros.

Diversos textos, antes e durante a realização da Rio 2016, também destacam os altíssimos custos envolvidos e o legado questionável que grandes eventos como a Olimpíada deixam ao país-sede. Não explicam, porém, por que Estados Unidos, França e Itália, países que já experimentaram tal desgosto, candidataram-se aos jogos de 2024.

Comprovação de teses

Numa primeira avaliação da cobertura desses três gigantes do jornalismo internacional sobre a Rio 2016 é visível a tentativa dos jornalistas de, uma vez no Brasil, comprovar expectativas negativas construídas anteriormente. O New York Times descreveu a cerimônia de abertura afirmando que “se havia um país precisando de um espetáculo edificante, ainda que restrito a um exercício de relações públicas, esse país era o Brasil”. O texto então discorre sobre crise política, recessão econômica, epidemia de zika e poluição para só depois descrever a festa no Maracanã. De autoria do correspondente no Brasil, Simon Romero, a reportagem ainda menciona cortes drásticos de orçamento nos jogos, que poderiam atingir até operações básicas da organização.

Ao longo das competições o jornal destacou problemas como a falta de veículos para transportar burocratas do Comitê Olímpico Internacional (que tinham de esperar, que absurdo!, 15 minutos pelo transporte), filas nas entradas das arenas, a explosão por engano de uma mala deixada pela proprietária no check-in de um cruzeiro e a cor esverdeada da água em piscinas do complexo aquático. Más condições das acomodações na chegada da delegação da Austrália à Vila Olímpica confirmavam preocupações anteriores: os brasileiros não conseguiriam executar os jogos direito.

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O humor dos três jornais sobre a Rio 2016 pode ser resumido pela reportagem do NYT “Folia olímpica distrai Brasil de seus problemas”, publicada após uma semana de disputas. Em síntese dizia o seguinte: além de criarem uma armadilha político-econômica que punha os jogos em risco e viverem uma epidemia de zika (no inverno?), os brasileiros viviam um faz-de-conta, escondendo seus problemas reais.

“Primeiro, o Brasil nunca conseguiria concluir o trabalho a tempo para a Olimpíada; agora que o país mostrou tanto sucesso e produziu uma magnífica cerimônia de abertura, é culpado por não ter resolvido cada um de seus problemas sociais antes dos jogos”, reclamou, também no Times, o ex-correspondente no Brasil Roger Cohen.

O artigo, uma exceção dentre o mau humor generalizado dos três grandes jornais estrangeiros, acusa dilemas que todos os brasileiros conhecem bem, mas critica a falta de curiosidade dos jornalistas estrangeiros em tentar compreender uma sociedade complexa e diferente daquelas que os Jogos Olímpicos historicamente encontraram. “Existe algo no mundo desenvolvido que não tolera um país em desenvolvimento organizando um grande evento esportivo”, disse Cohen.

Ao que tudo indica, os Jogos do Rio terminaram sem grandes máculas à cidade-sede e ao país, mas a narrativa que tende a se solidificar entre os jornais estrangeiros é de que o mundo do esporte conseguiu sobreviver ao turbulento e incivilizado Brasil – uma mensagem que deve manter o Comitê Olímpico Internacional e seu principal evento distante do Sul do mundo por muito tempo.

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