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Quando uma reportagem investigativa importante compete com Brangelina

Por Nausicaa Renner, da Columbia Journalism Review*

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David Fahrenthold, repórter do The Washington Post, publicou com exclusividade que Donald Trump usou mais de 250 mil dólares de sua fundação de caridade para resolver disputas legais de seus negócios com fins lucrativos. No mesmo dia, outra notícia informava que Angelian Jolie pediu o divórcio de Brad Pitt. Você consegue adivinhar qual notícia despertou mais atenção?

Frustrados com essa dinâmica, alguns jornalistas fizeram uma versão do ‘bait-and-switch’ (um tipo de propaganda enganosa feita pelas lojas de varejo, que anunciam promoções que não se confirmam na prática) carinhosamente conhecido como Rick-rooling. De fato, Emma Roller, freelancer e colaboradora do The New York Times, tuitou a reportagem do Post utilizando a frase “wow, então é por ISSO que Angelina o deixou”.

A tática é uma piada, em parte um meio de capitalizar leitores muito interessados em celebridades, mas também uma forma de chamar atenção para o hard-news, o jornalismo relevante que é enterrado por notícias sobre pessoas famosas. Esse problema atingiu um novo patamar durante o atual ciclo eleitoral americano, em que trabalhos sérios e impressionantes de investigação e verificação dos fatos (fact-checking) parecem não ter nem arranhado a imagem de Trump, pelo menos entre seus apoiadores.

Jornalistas não estão competindo somente com notícias de celebridades e com o próprio Trump, mas também com outros jornalistas. Em um e-mail, Roller disse que seu tweet não foi uma crítica a fofocas de celebridades, mas um comentário sobre “o volúvel ciclo produtivo das notícias”:

Eu estava lendo o Twitter quando vi o furo de David Fahrenthold sobre os gastos obscuros de Donald Trump com doações de caridade de outras pessoas. Eu sigo vários repórteres políticos no Twitter, e todos eles começaram a compartilhar a reportagem de David. Mas … a notícia do ‘Brangelina’ estourou ao mesmo tempo, e como mariposas em direção ao mata-mosquitos, todos esses repórteres políticos pararam de falar sobre a reportagem de David e começaram a compartilhar GIFs da Jennifer Aniston.

Roller não esperava que seu tweet alcançasse tanta atenção (mais de 4.000 retweets e likes até terça à noite), mas logo foi seguido por outros, incluindo a repórter do Politico Hadas Gold, que retuitou Roller com um “OMG, leia isso.” No tweet de Gold, ao contrário de Roller, o título e a imagem de Trump não são visíveis – perpetuando o falso entendimento de que o tweet de Roller era realmente sobre Angelina.

Uma pessoa, respondendo no Twitter, chamou isso de “o primeiro caso documentado de clickbait responsável”. Agir com responsabilidade e de acordo com o interesse público é trabalho jornalístico, mas a deturpação não é responsável. Tuitar link com um texto enganoso – mesmo como uma piada – é o equivalente a mudar um título. O texto de um tweet, vindo de uma repórter confiável, é o caminho que o usuário do Twitter faz para uma notícia; o jornalista tem a responsabilidade de descrever seu conteúdo com precisão.

Conversei brevemente com o diretor de Ética da Sociedade de Jornalistas Profissionais Andrew Seaman neste domingo, antes desta última erupção no Twitter. Ele enfatizou que o código de ética da SPJ se aplica universalmente; jornalistas não devem agir no Twitter de forma diferente da que fazem em suas atividades normais. Então um tweet como esse viola o código da SPJ de “defender rótulos e comentários,” e “nunca distorcer deliberadamente fatos ou contextos, incluindo a informação visual”?

Roller é uma escritora de opinião, o que lhe dá mais liberdade do que outros. O The New York Times tem repetidamente lembrado seus repórteres de permanecerem imparciais; o BuzzFeed enviou um memorando semelhante para sua equipe no mês passado. A maioria das organizações de mídia têm agora diretrizes para seus profissionais no Twitter, mas, mesmo assim, escreve a especialista do Tow Center Svenja Ottovordemgentschenfelde, jornalistas sentem que há um grande risco envolvido em tuitar.

Referindo-se a como “o Twitter infla as coisas fora de proporção”, um jornalista admitiu, “eu definitivamente não ficaria surpreso se, digamos, daqui a um ano, eu tuitar algo apenas despretensiosamente, isso se voltar contra mim e acabar na minha demissão”.

Muito disso é território inexplorado. Mesmo repórteres experientes que não deturpam conteúdo estão tentando capitalizar leitores de Brad/Angelina. Veja a repórter do The Washington Post Karen Tumulty, que jocosamente chamou de #mediaconspiracy (conspiração da mídia) o fato de o anúncio ter coincidido com a reportagem do Post. Mas ela usou a hashtag #brangelina, aumentando assim o tráfego para a história de Fahrenthold. Qual é a ética de induzir ao erro uma audiência que está tentando encontrar conteúdo sobre outro assunto?

O Twitter tem dado aos jornalistas espaço para mostrarem mais personalidade, mas isso também abre um risco. Que o ciclo produtivo de notícias dá mais atenção a Brad e Angelina é um dilema que vai além do alcance dos jornalistas – e não é trabalho de um único profissional resolvê-lo. Algumas matérias são culturalmente projetadas para atrair atenção, e o Twitter é apenas a mais recente ferramenta para destacar o efêmero em detrimento da credibilidade e seriedade. Em última análise, redações e jornalistas precisam trabalhar em conjunto com plataformas como o Twitter para retardar o ciclo produtivo de notícias e chamar mais atenção para histórias que importam.

* Artigo da Columbia Journalism Review, originalmente publicado aqui, em 20 de setembro de 2016. Tradução feita pela pesquisadora do ObjETHOS Lívia de Souza Vieira, com autorização dos editores do site.

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