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A morte de Santiago não pode ser em vão

Celso Schröder

Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), da Federação dos Jornalistas da América Latina e Caribe (FEPALC), vice-Presidente da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ) e membro do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional

Santiago vai morrer, poderia afirmar algum escritor/jornalista latino numa paráfrase simplória e com algum conhecimento da realidade fantástica brasileira. No entanto, quando Santiago Andrade foi realizar a sua tarefa diária, não imaginou que ali se encerraria sua saga de repórter cinematográfico. Certamente conhecia o perigo que enfrentava diariamente em condições sempre desfavoráveis, mas com certeza não imaginou que morreria porque era jornalista, porque estava trabalhando.

Sua figura solitária, abandonado numa rotina que o obrigara a realizar uma tarefa que exigiria equipe, infraestrutura mínima, equipamento, seguro de vida etc., demonstra, com a crueza da imagem, a irresponsabilidade de empresários que, usufruindo do privilégio de explorarem um negócio de natureza pública, se comportam como mercadores mesquinhos e egoístas. E não nos esqueçamos que outro repórter cinematográfico da TV Bandeirantes, Gelson Domingos da Silva, morreu, em novembro de 2011, após ser baleado durante um tiroteio entre policiais e traficantes no Rio de Janeiro.

Santiago, sozinho, a mercê de duas forças – antagônicas no enfrentamento mútuo, mas sintonizadas pelo desprezo aos jornalistas profissionais e incapacidade de convivência com a atividade jornalística – é a síntese do que se apresentava como crônica anunciada. Santiago, tombado e ajudado pelos seus companheiros, brasileiros e estrangeiros, é a imagem do que precisamos fazer.

A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) passou os últimos anos alertando para o crescimento da violência contra jornalistas. O aumento das mortes por encomenda indicava o surgimento de solução radical para aqueles incomodados pela atividade jornalística. Independentemente da dança dos números de jornalistas mortos, inflacionada ou desinflacionada de acordo com os interesses de ONGs ou de grupos específicos, a curva estatística de aumento era alarmante. Era visível que jornalistas passaram a ser alvos.

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República reconheceu o problema e criou, com a participação dos jornalistas, um grupo de trabalho que apresentará seu relatório nos próximos dias. O relatório deve  incorporar a proposta da FENAJ de se criar um Observatório da Violência contra Jornalistas e Outros Profissionais da Comunicação e de se aprovar uma lei que federalize as investigações de crimes contra jornalistas. No entanto, a indiferença do Ministério da Justiça aos inúmeros apelos da FENAJ para uma audiência dava a dimensão da ambiguidade e timidez do governo de centralizar ações para a garantia da vida e do trabalho dos jornalistas.

A partir de junho a violência explodiu. Mais de 116 trabalhadores da comunicação, cerca de 70 jornalistas agredidos, feridos e coagidos. Num primeiro momento por forças policiais militares, em especial a paulista; num segundo momento por manifestantes daquele movimento reivindicatório.

Para além das denúncias e do insistente apelo não atendido ao Ministério da Justiça, a FENAJ alertava para um sintoma que permeava policiais militares, empresários de jornalismo, governantes de uma maneira geral e, inexplicavelmente, um movimento que se reivindicava libertário e democrático: um desprezo obscurantista pela atividade jornalística. Foi este desprezo e indiferença coletivos que legitimou a mão que acendeu o rojão.

Os jornalistas e suas organizações devem à Santiago firmeza e clareza na denúncia e exigência da justiça. O Estado, nas suas diversas instâncias, deve à sua família presteza e rigor na execução desta justiça, sem cair na tentação, sugerida pelos empresários ao ministro Eduardo Cardoso em reunião exclusiva, de reduzir a sua ação a alguma legislação repressora.

Os empresários de jornalismo precisam homenageá-lo, assumindo o compromisso e respeito aos seus companheiros, ao adotar um protocolo de segurança a ser seguido em todas as coberturas que ofereçam algum risco. A sociedade precisa, em sua memória, banir da sua companhia os brutamontes fascistas que fazem da violência instrumento de pressão. A mão que acendeu o rojão já conhecemos, mas seus múltiplos braços ainda não.

Santiago não deveria morrer. Seu assassinato covarde, como o de Vladimir Herzog, é absolutamente sem sentido. Mas, assim como a morte de Herzog adquiriu algum sentido histórico ao servir decisivamente para a redemocratização do país, que a absurda morte de Santiago sirva para modificar a realidade atual,  ao reafirmar o papel e a importância dos jornalistas e do jornalismo para a democracia e o estado de direto. Que a morte de Santiago não seja em vão!

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