Por Elaine Tavares – jornalista (delegada por Santa Catarina)
Foram quatro dias de debates e discussões sobre os rumos da luta dos jornalistas neste cenário em que o STF eliminou a exigência do diploma para o exercício da profissão. Há mais de um ano – desde a decisão – que a categoria vive uma espécie de perplexidade, ainda que decidida a não incorporar a nova lei. Não foi sem razão que o debate mais quente do congresso aconteceu sobre a filiação ou não de não-diplomados. O Conselho de Representantes da Fenaj, que demorou quase um ano para se reunir e discutir sobre o tema, já havia deliberado que encaminharia pela não-filiação, mas vários outros sindicatos, entre eles o de São Paulo, Ceará e Santa Catarina, tinham aprovado, em congresso estadual, pela filiação, alegando que o que estava em questão era a luta de classe. Assim, estava armada a arena do combate.
Na análise de conjuntura ficou bastante claro que a Fenaj já não é mais um espaço de pensamento único. Desde há três gestões que o grupo diretivo enfrenta oposição. Começou com a candidatura de Beto Almeida, em 2004, na chapa Outra Fenaj é Possível. Depois se fortaleceu com a constituição do grupo organizado Luta Fenaj, em 2007, que disputou com Dorgil Marinho, e agora, com a segunda disputa feita pelo Luta Fenaj, com Pedro Pomar à frente, claramente consolidando um pensamento mais à esquerda. Nesse sentido, enquanto o presidente da Fenaj abria o evento dizendo que a democracia no Brasil está madura e que a mídia não está à altura deste momento, “falta aos empresários noção de para onde vai o mercado”, os membros da oposição deixavam claro que não é papel da Fenaj ajudar os empresários a compreenderem onde estão metidos. “Os empresários sabem muito bem para onde vai o mercado, contribuem para que a coisa seja assim. Apostam na alienação para que o sistema capitalista siga florescendo e dominando”.
Tampouco houve acordo no que diz respeito à consolidação da democracia. “Que democracia está consolidada? A do mercado? A liberal? Esta sim está, mas não nos serve”.
Depois deste primeiro momento de debate, as plenárias foram se sucedendo, com a discussão das teses apresentadas ao Congresso. Assuntos diversos que ora encontravam consenso, ora não, dando colorido e profundidade às intervenções. Santa Catarina apresentou a proposta de discussão do conceito de “soberania comunicacional”, justamente para provocar nos congressistas o desejo de ir mais além da democracia liberal. “Quando se fala em democratizar a comunicação está-se falando de melhorar um pouco o que já existe. Nós queremos mais que isso. Entendemos que esse conceito de democracia tem seus limites e aí entra a soberania comunicacional. Neste contexto, o povo assume o controle sobre o que sai na mídia e também sobre a produção de conteúdo. É muito mais do que exigir que as vozes silenciadas saiam, ritualmente, nos veículos privados”. Depois de algum debate conseguiu-se que a Fenaj se comprometesse a apresentar esse conceito dando a conhecer sobre isso a toda sua base. Foi uma vitória importante de Santa Catarina.
Teses relacionadas ao cuidado com a saúde do jornalista, a luta pela regulamentação da profissão, a batalha no Congresso pelo retorno da exigência do diploma, a questão racial, a luta pela inclusão de gênero, a defesa da Voz do Brasil, a defesa do jornalismo como construção social, denúncia do terrorismo midiático usado contra o povo e outras foram aprovadas com absoluto consenso. Restaram duas grandes questões que atearam fogo aos discursos, marcando posições: uma delas relacionada à filiação de não-diplomados e a outra que questionava a decisão da Fenaj de contratar um plano privado de previdência.
A polêmica da filiação
Com a decisão do STF de não exigência do diploma para o exercício da profissão, centenas de pessoas estão requerendo registro de jornalista junto ao Ministério do Trabalho. Como não há mais critérios para a cessão do registro, qualquer pessoa pode obtê-lo, o que tem causado profunda indignação na categoria, que insiste em negar essa realidade, fechando os olhos para as novas demandas que estão surgindo para os sindicatos.
É sabido que o mundo sindical enfrenta uma grave crise. Desde a eleição de Luis Inácio que muitas lideranças sindicais abriram mão de sua radicalidade, preferindo apoiar o governo de maneira acrítica. Isso acabou criando uma profunda cisão entre os trabalhadores, o que tem provocado uma lenta – porém sistemática – debandada de sindicatos das malhas da CUT, preferindo se organizar em posições mais críticas, sem adesismo. Esta esquizofrenia tem servido também para afastar as pessoas da luta sindical, uma vez que o “canto da sereia” nestes oito anos foi de que com “negociação”, o “companheiro” Lula iria melhorar a vida de todos. Para algumas categorias até que deu certo, mas para a grande maioria não, especialmente a dos jornalistas que perdeu a lei de imprensa e a exigência do diploma. Não bastasse isso, o espírito do tempo, individualista e egoísta, também tem contribuído para uma certa apatia no mundo do trabalho. O resultado disso são os sindicatos enfraquecidos, sem gente, sem vitalidade.
Mas, no caso dos jornalistas, com as mudanças na estrutura produtiva, começa a ser criado um tempo propício para grandes lutas. Há uma superexploração em curso com o advento da multifunção e o trabalhador está submetido a uma pressão insustentável. Nas redações diminuem-se os postos de trabalho, exige-se que um profissional cumpra tarefas de três ou quatro, paga-se muito mal. E, agora, com a decisão do STF, nos jornais do interior, o que impera é a quase escravidão. Por 600 reais um “jornalista” precisa escrever, filmar, fotografar, dirigir, editar, fazer blog, atualizar página e muito mais. Para alguns sindicatos, essa potencialidade de luta precisa ser trabalhada com a sindicalização em massa dos profissionais diplomados e também dos não-diplomados. Mas aí, não tem acordo.
Muitos sindicalistas entendem que ao abrir o sindicato para os não-diplomados, se estaria enfraquecendo a luta pela retomada do diploma que segue em curso com a tentativa de aprovação de uma PEC (Emenda Constitucional) no Congresso Nacional. A Fenaj, na sua maioria tem essa visão, embora dentro do grupo majoritário também haja divergência, como é o caso de São Paulo. No Luta Fenaj também não há consenso, mas a maioria defende a sindicalização. “É uma questão de defesa do trabalhador. Quem criou essa aberração foi o STF, mas nós não podemos deixar o trabalhador que está nos grandes meios ou não, sofrendo a mesma exploração, desamparado. Temos de acolher no sindicato e prepará-lo para a luta”, insiste Pedro Pomar, que foi candidato à presidência da Fenaj pela oposição. Quem defende a sindicalização está amparado numa visão classista. Observa a luta na perspectiva do trabalhador e sabe que a pessoa que já garantiu o registro não terá esse direito retirado, mesmo que volte a exigência. Portanto, querendo ou não, os jornalistas terão de conviver com estes colegas para sempre.
Ainda assim, o debate em plenário, por parte dos contrários à sindicalização, acabou sendo meramente moral. Nos argumentos, as pessoas recorriam à figura do picareta, daquele que pegou o registro só para usar a carteirinha, como se entre os jornalistas diplomados não houvesse também os mal intencionados. Outro argumento usado pelos contrários era o de que a sindicalização sinalizaria para a sociedade que os jornalistas haviam se rendido. Outro sofisma. Pelo contrário, a luta pelo diploma segue firme, mas o fato é que estes colegas não perderão o direito ao registro, então, melhor acolhê-los agora do que permitir uma divisão intraclasse, o que favorecerá ainda mais os patrões. Ao final, a decisão da maioria foi uma decisão moral. Venceu a idéia de não-sindicalização. Os jornalistas apostam que a PEC do diploma será votada ainda este ano e tudo voltará a ser como antes. De qualquer forma, permanecem fechados para a realidade de mais de 20 mil novos registros que existem hoje no Brasil, por conta do STF. Na visão da maioria, estes ficarão à margem das lutas. Equivocada decisão!
A segunda grande questão que esquentou o debate foi a da proposta da FenajPrev, uma idéia de previdência privada que a direção da Fenaj vem apresentando aos sindicatos como uma grande oportunidade para uma velhice segura. Uma tese apresentada pelo Rio de Janeiro pedia que a federação revisse esta decisão, argumentando que não é papel de uma entidade de luta dos trabalhadores incentivar uma aposta de alto risco como são os fundos de pensão. Os jornalistas cariocas – assim como todos os delegados de oposição – acreditam que não dá para fechar os olhos à situação da previdência pública, e que os trabalhadores devem saber sobre a previdência privada, mas estas não deveriam ser propostas dos sindicatos. “O máximo que o sindicato deve fazer é informar que existem estes fundos de pensão e deixar bem claro os riscos que eles contêm, mas daí a fazer convênio com a Petros e incentivar os trabalhadores a isso, não se pode admitir. Esta é uma postura neoliberal”. Também nesta questão a maioria votou a favor da proposta da Federação de seguir orientando à adesão ao mecanismo da previdência privada.
O congresso encerrou em meio a estes embates e deixou claro que, depois de muito tempo sem pensamentos divergentes, há fortes ventos de mudança. Apesar de ainda pequeno, o grupo de oposição foi aguerrido, mostrou suas idéias, defendeu com valentia suas posições, disputou com firmeza as mentes dos jornalistas e mostrou estar qualificado tanto teórica como politicamente. Foi importante explicitar outros olhares sobre a profissão, formas novas e arejadas de fazer política, posturas diferentes na disputa das idéias. Também foi interessante observar que, nos debates, quando alguns dos palestrantes se manifestaram contra a exigência do diploma, foram os militantes do Luta Fenaj que se inscreveram e defenderam intransigentemente o diploma para enfrentar a exploração capitalista. “E o engraçado é que a situação passou quase toda a campanha eleitoral acusando o Luta Fenaj de não defender o diploma. Creio que os jornalistas puderam perceber muito bem nossas posições. Foi muito positivo esse congresso”, avaliou Pedro Pomar.
Assim, apesar de algumas práticas coronelistas, típicas do Brasil colônia, algumas intimidações e posturas violentas por parte de alguns delegados durante os pontos mais polêmicos, o resultado final foi um congresso cheio de energia, de divergências salutares e de consolidação da certeza de que só a luta pode mudar a lei. Assim, há uma longa caminhada a cumprir pela retomada do diploma. E esta jornada só pode ser vitoriosa se houver a completa participação de todos os jornalistas. Sem luta real e concreta, nas ruas e nas redações, nada será conquistado! É hora de luta, Fenaj!