Documentos produzidos por ordem judicial sugerem que as empresas JBS e 4Buzz promoveram, por meio de anúncio pago no Google, a exposição de um texto difamatório contra o jornalista e ativista Leonardo Sakamoto, da ONG Repórter Brasil e blogueiro do UOL –empresa controlada pelo Grupo Folha, que edita a Folha.
As empresas, conforme papéis obtidos junto ao Google e a operadora de telefonia GVT, estariam por trás do patrocínio ao link “Leonardo Sakamoto Mente”, apresentado como primeiro resultado para pesquisas com os termos “Sakamoto”, “Leonardo Sakamoto” ou “Blog do Sakamoto” em 2015.
Dona das marcas Friboi e Swift, a JBS, gigante do processamento de carnes, faturou R$ 12,9 bilhões em 2014. A 4Buzz é uma firma de Ribeirão Preto contratada pela JBS em 2015 para, entre outros itens, combater rumor de que um filho do ex-presidente Lula seria dono da Friboi.
Alvo de reportagens do site da Repórter Brasil sobre problemas trabalhistas e ambientais, a JBS nega relação com o link ofensivo. Sua assessoria prometeu investigar internamente o que ocorreu. A 4Buzz também nega.
A história que liga as empresas ao ataque ao blogueiro começou em maio de 2015, quando a página “Leonardo Sakamoto Mente” passou a ser promovida. O link levava o internauta para o texto “Sakamoto recebe mais de R$ 1 milhão para chamar opositores de mercenários, denuncia Luciano Ayan”, abrigado no site FolhaPolítica.org. Sem autoria conhecida nem relação com a Folha, o FolhaPolítica tem 1,1 milhão de seguidores no Facebook. Mescla posts desfavoráveis ao PT com notícias falsas.
O texto contra o blogueiro, ainda no ar, é repleto de acusações de corrupção. Diz que a Repórter Brasil recebeu “mais de R$ 1 milhão por ano para puxar o saco de Dilma”, que o jornalista é quem fica “com a maior parte da bolada”, que a ONG “não desenvolve nenhuma atividade física”, mas “torra mais de R$ 1 milhão por ano do Ministério dos Direitos Humanos”.
Sakamoto resolveu recorrer à Justiça para que o Google informasse quem havia contratado o anúncio.
Em setembro, por determinação judicial, o Google informou que a ordem partiu da “JBS/SA”. Forneceu o endereço, um telefone e um e-mail da empresa. E um conjunto de IPs (Internet Protocols, espécie de RG da web), indicando as conexões à internet que operaram a conta que o contratou. Não informou, porém, quem pagou pelo anúncio. Numa outra etapa, a operadora GVT informou à Justiça que quase todos os IPs são da 4Buzz.
O texto da FolhaPolítica distorce uma informação extraída do próprio site da Repórter Brasil. Na prestação de contas da ONG consta um convênio com a Secretaria de Direitos Humanos para financiar parte do projeto Escravo Nem Pensar, de prevenção contra o aliciamento de mão de obra escrava.
A contribuição total da SDH,na verdade, é de R$ 499 mil por três anos. Os maiores financiadores do projeto são a Organização Internacional do Trabalho e outros órgãos internacionais.
Embora não tenha sido a primeira ação difamatória contra o Sakamoto na web, a disseminação do link “Leonardo Sakamoto Mente” pelo Google e, na sequência, por um número incontável de blogs e posts em redes sociais foi, segundo o jornalista, a iniciativa que teve maior alcance e gerou maior risco.
“Além das ameaças, passei a ser alvo mais constante de xingamentos e até agressões físicas”, diz.
“Você está andando na rua, vem um desconhecido e dá uma ombrada; outro dia um carro para e alguém xinga e cospe na sua direção; você vai a um restaurante, começam a circular fotos suas no local com insultos.”
A viralização da notícia falsa chegou a mobilizar o Ministério Público Federal, que abriu uma investigação. Representantes da ONG tiveram que apresentar detalhes de suas atividades. Na papelada, os investigadores constataram que o próprio Ministério Público é um dos apoiadores oficiais do Escravo Nem Pensar. O caso foi arquivado.
OUTRO LADO
A JBS e a 4Buzz negam que tenham contratado o Google para promover conteúdo ofensivo contra o jornalista Leonardo Sakamoto.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a JBS confirmou que contratou a 4Buzz para ações na web em 2015 e que, em algumas ocasiões, autorizou a contratação do Google para promoção de notícias relacionadas à empresa. Mas nenhuma delas, ressaltou, envolvendo o nome do jornalista ou de sua ONG.
A assessoria da JBS disse ainda que respeita o trabalho de Sakamoto e da ONG e que iria apurar internamente o que eventualmente poderia ter ocorrido para que o nome da empresa aparecesse como contratante do anúncio.
Sócio da 4Buzz, Rodrigo Vanzon disse que iria verificar se havia qualquer registro do anúncio ofensivo nos documentos de sua empresa.
Dias depois, afirmou que nada havia sido encontrado e que não sabia explicar como IPs da 4Buzz estavam associados ao caso.
O Google afirmou que seu contrato com o patrocinador do link “Leonardo Sakamoto Mente” prevê confidencialidade, o que lhe impede de informar quem pagou pelo anúncio.
Pelo mesmo motivo, o buscador não informa o tempo em que a página ofensiva foi exposta de forma privilegiada, a quantidade de vezes em que foi oferecida como primeiro resultado de busca, nem eventuais outros termos contratados para serem associados ao link.
O Google afirmou que possui políticas que, a partir da denúncia de qualquer internauta feita por meio do preenchimento de um formulário eletrônico, podem resultar na remoção de um anúncio desrespeitoso.
Mas disse que também não poderia informar se o link “Leonardo Sakamoto Mente” deixou de ser exibido como primeiro resultado de buscas devido a isso.
De autoria desconhecida, o site FolhaPolítica apresenta apenas um e-mail para contato. A reportagem buscou contato por essa via, mas não houve resposta.
Meses após a exibição do link difamatório no Google, Sakamoto foi alvo de uma segunda notícia falsa de grande repercussão. Em janeiro, o jornal mineiro “Edição do Brasil” publicou em sua capa uma foto do jornalista com a manchete “Cientista político diz que aposentados são inúteis à sociedade”.
Quando Sakamoto denunciou nunca ter dado tal declaração, o jornal tirou a entrevista de seu site e afirmou que acreditava ter sido vítima de uma assessora que teria agido de má-fé.
Nas redes sociais, porém, a falsa declaração já havia viralizado. O caso não aparenta ter relação com o do link patrocinado.
Fonte: Folha de S. Paulo