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O que falta para conseguirmos dizer que estamos diante do ódio institucionalizado?

Mariana Rosa
Mestranda no POSJOR e pesquisadora do objETHOS

Desde que assumiu a presidência dos Estados Unidos, no último dia 20, Donald Trump está cumprindo a prometida agenda de governo. As primeiras medidas do presidente frequentemente vêm sendo abordadas pela grande mídia brasileira sob o rótulo de “polêmicas”, um adjetivo que acompanha o tema desde a época das eleições. A despeito de toda a caricatura, as ideias de Trump agora começam a se tornar ações. Até que ponto ainda é (ou mesmo, algum dia foi) adequado tratá-las sob a chave de “mais uma polêmica”? Será que essa expressão, tão repetida ao longo da última semana, dá conta do caráter das ações de Trump?

É muito comum que declarações públicas de intolerância sejam rotuladas como simples polêmicas. Outro exemplo, agora no cenário político brasileiro, é o caso do deputado Jair Bolsonaro: embora seja autor de declarações racistas, homofóbicas e misóginas, elas raramente são assim nomeadas nos jornais. Regra geral, as notícias e manchetes limitam-se a dizer que são “declarações polêmicas” e frequentemente são relembradas em listas, o que acaba funcionando como um holofote, já que para figuras como Bolsonaro e Trump, ser chamado de polêmico deve ser um verdadeiro elogio. Se as expressões usadas fossem outras, as verdadeiras, será que eles insistiriam com tanto conforto em manter seus personagens diante das câmeras?

E digo verdadeiras, porque, a rigor, falar em polêmica é simplesmente falar em um debate ou disputa de idéias. De fato, estamos nessas situações diante de conflitos e não só de conflitos de idéias, mas também de ideologias. Mas vai além disso, trata-se de ações bem concretas: de violação de direitos, de crimes de ódio, de incentivo explícito à intolerância e à violência. Manter tudo isso no âmbito da polêmica é como dizer que atos de racismo e misoginia, por exemplo, poderiam não passar de uma questão de opinião – algo que acontece se alguém avaliar que assim foi, e não um fato em si.

É preciso lembrar que o uso das palavras carrega em si uma escolha e que esta escolha é, também, ideológica, esteja o jornalismo tradicional disposto a admitir isso ou não. Insistir em colocar essas situações debaixo do guarda-chuva da polêmica, parece fruto de um receio do jornalismo em se posicionar. Talvez, pareça uma afronta ao ideal da imparcialidade dar nome aos bois assim. Mas quando uma das ideologias envolvidas prega o ódio e a violência, vivemos um momento precioso de escolha.  Podemos dizer agora com todas as letras o que está acontecendo (e cada notícia será a denúncia de um crime) ou podemos esperar a história passar e só então contar que adentramos numa era de ódio institucionalizado. O único problema é que essa era já aconteceu antes e todos nós juramos que jamais esqueceríamos ou permitiríamos que voltasse a acontecer.

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